Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 24, 2007

Míriam Leitão - Ajuda externa



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
24/7/2007

Um erro de um sargento pode derrubar um sistema - que deveria estar protegido por processos de segurança redundantes - e deixar aviões voando às cegas sobre a Amazônia. Congonhas parado pela chuva, vôos transferidos para Campinas não tinham ontem escada para descer, passageiros da Varig eram maltratados pela Gol. O caos continua, ou como disse o comandante do Cindacta 4, "a lei de Murphy".

Tudo o que é impossível acontecer acontece com freqüência no Brasil, como a queda de um sistema de radares por uma pane elétrica por um erro de uma única pessoa.

- O estranho desta pane é que, num avião, são três sistemas hidráulicos; três sistemas elétricos. Tudo é redundante em tudo o que se refere à aeronáutica, exatamente porque, se alguma coisa falhar, tem a proteção; se a proteção falhar, tem outro recurso - diz Miguel Dau, com 30 anos de experiência na Força Aérea e na Varig, hoje presidente da Nordeste.

Ele acha que o melhor que o Brasil tem a fazer agora é pedir uma auditoria internacional para ver se o sistema brasileiro é seguro ou não, e pedir recomendações:

- Acho que a conclusão será que o sistema é seguro, mas precisa de várias correções. Pode-se pedir a ajuda, por exemplo, da ICAO (Organização Internacional da Aviação Civil) da ONU. É órgão multilateral, tem legitimidade e pode nos ajudar. O Brasil deveria pedir uma auditoria e seguir todas as recomendações.

Ontem foi um novo dia de confusão, com os problemas de sempre. Filas, atrasos, cancelamentos, medo da pista de Congonhas e rumores sobre a queda do ministro da Defesa. Passageiros ficaram horas tentando ir para São Paulo, onde Congonhas fechou três vezes só na manhã. No reformado Santos Dumont, em dia quente, o ar-refrigerado foi desligado por algumas horas. As companhias, como sempre, não davam informação adequada. Num dos vários vôos que iriam para São Paulo e pararam em Campinas, os passageiros ficaram presos durante uma hora em solo porque não havia escada para desembarcar.

Lição do dia: não adianta apenas verificar se tem pista disponível para transferir vôos, é preciso checar se há equipamentos aeroviários disponíveis.

Um passageiro que saiu do Rio ontem para São Paulo no vôo das 9h20m estava às 18h40m indo de ônibus de Campinas para São Paulo. Seu avião, depois dos longos atrasos, tentou pousar em Guarulhos e não tinha espaço; foi para Viracopos e teve que esperar a escada. Foi informado de que as escadas eram prioritariamente para a Gol. Entrou no ônibus, mas foi retirado dele com a mesma explicação: a prioridade era da Gol e ele era apenas um passageiro Varig.

Outra lição do dia: as companhias fazem o que querem com as pessoas, as cenas de desrespeito são diárias. Elas não querem reduzir os vôos para Congonhas, e a Anac, ventríloquo das empresas, repetiu que os vôos não podem ser transferidos.

É óbvio que podem, mas não é simples. É preciso planejamento. Miguel Dau lembra que Congonhas será sempre muito requisitado, pois 65% dos vôos no Brasil são executivos. Portanto, a maioria está indo para São Paulo, centro econômico do país, a trabalho. Mas é preciso separar os passageiros em trânsito entre norte e sul do país que estejam passando por lá só para troca de aeronave.

- Congonhas será sempre um grande hub, mas o Galeão pode ser hub também. Para inúmeros passageiros em trânsito, parar em São Paulo ou no Rio não faz a menor diferença. Eles estão de passagem - comenta Dau.

Ontem, o Globo Online contava a história da publicitária Angela Luchesi e seu filho de 3 anos, que saíram de Porto Alegre para Curitiba e acabaram sendo levados para Congonhas. Exemplo claro de passageiros que não tinham de estar no aeroporto mais congestionado do país.

Dau, com sua experiência tanto na FAB quanto na gestão operacional da que foi a melhor e mais antiga empresa aérea do Brasil, a Varig, acha que há como corrigir a confusão aérea do Brasil:

- Primeiro, é preciso saber quem manda. A Infraero não pode ser, ela é só uma administradora de aeroportos, não é nem autoridade aeroportuária. A autoridade tem que ser a Anac; ela tem que ter poder, como a Federal Aviation Administration, que coordena todo o transporte aéreo nos EUA. Mas tem que ser dirigida por gente do ramo, e não indicados políticos. Segundo, tem que se tirar da gaveta o Plano Nacional Aeroviário, feito em 1999. Terceiro, a Anac tem que ter uma "sala de crise", com especialistas treinados para enfrentar emergências, para liberar o resto da agência para continuar tocando as rotinas. Nos Estados Unidos, todo ano tem neve e, nem por isso, o tráfego pára. É preciso saber lidar com as situações difíceis - afirma.

Miguel Dau não concentra no governo Lula toda a culpa da confusão. Acha que o governo Fernando Henrique falhou ao não planejar a transição para outro modelo regulatório. Falharam também os civis e militares.

- Ninguém pode ter bronca, tem que se pensar nas razões de Estado. Os militares do antigo DAC limparam as salas para entregar o órgão sem pensar em fazer a transição e sabendo que os civis quebrariam a cara; os civis entraram achando que os militares faziam tudo errado - diz Dau.

Os aviões não caem por um motivo único, mas por um conjunto de fatores; um sistema não entra em colapso por um motivo único. Essa é a lição que o governo não quer entender.

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