Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 27, 2007

'Momentos (errados) de descontração'



Editorial
O Estado de S. Paulo
27/7/2007

O improviso do presidente Lula, ao dar posse ao novo ministro da Defesa, Nelson Jobim, não foi o primeiro de sua lavra a atropelar a solenidade do cargo, a lógica, a sintaxe, o significado das palavras. Tampouco foi a primeira vez em que, no papel de “gente como a gente”, falou coisas que, embora corriqueiras em conversas informais, chefes de governo ou de Estado se guardam de proferir em público, ainda mais em palácio, ainda mais numa solenidade, ainda mais nas circunstâncias em que se realizou a solenidade de posse do novo ministro. Presidentes e primeiros-ministros não dizem que, ao embarcar num avião, “entregam a Deus” a sua sorte, entre outros motivos porque estão “na mão das intempéries que nem sempre o ser humano consegue controlar” - como se às vezes conseguisse.

Mesmo se padecem do medo de voar, não proclamam a fraqueza para não se expor ao ridículo, fazendo praça do que devem saber que se trata de uma reação irracional - estatisticamente, considerando o número imenso de vôos que partem e chegam normalmente todos os dias no mundo inteiro, o avião é o mais seguro meio de transporte já inventado. A chance de um passageiro sofrer um acidente aéreo é calculada em 1 para 11 milhões de viagens. Presidentes e primeiros-ministros que são ou querem parecer sérios, que porventura não gostassem de ler, jamais afirmariam em público, como fez Lula em outra confissão tristemente memorável, que “ler é pior do que fazer exercício em esteira”.

Nem mesmo o americano George W. Bush, cuja aversão à leitura é amplamente conhecida, passaria recibo de sua desabonadora limitação. Nem ele, autor de alentada coleção de gafes, diria que um seu novo ministro foi convidado porque “estava sem fazer nada e atrapalhando a esposa, e além disso não vai dar mais gastos ao País” (porque já recebe robustos vencimentos como ex-ministro da Suprema Corte). Ou que “o presidente da República, no momento em que tira um ministro e põe outro, é como um pai que se despede de um filho na porta e recebe outro”. (O novo ministro Jobim também incorreu em gafes ao falar em “falta de comando” e em cargos preenchidos por critérios políticos e partidários na frente de Lula.) Por fim, imagine o leitor qualquer dos líderes de nações às quais o Brasil aspira a se equiparar justificando patacoadas que tivesse acabado de produzir, com a seguinte enormidade: “Estou dizendo essas coisas aqui porque nós estamos vivendo momentos de tensão, de sofrimento, e de vez em quando é preciso que a gente tenha momentos de descontração para tornar a vida, eu diria, menos sofrível.” Sofrível, poderia ser um julgamento condescendente do governo Lula. Sofrido, isso sim, está o País pela perda de vidas humanas que resultou não de uma fatalidade, mas de uma catástrofe à espera de acontecer. Mas infinitamente pior do que as suas dificuldades com o idioma, foi a demonstração que Lula deu de uma falta de compostura sem precedentes mesmo para os seus padrões. O presidente da República, que decerto nunca ouviu falar em circunspecção e deve achar que decoro é problema parlamentar, quebrou de forma ostensiva o decoro presidencial.

Enxovalhou com os seus gracejos um evento que, a rigor, era o equivalente político de uma cerimônia fúnebre - a substituição do ministro da Defesa em razão da tragédia do vôo 3054 da TAM. Esta dificilmente teria acontecido não fosse a crise aérea que a incúria do governo petista prolonga já por 10 meses, a contar de outra tragédia, cujas causas estruturais ainda não foram sanadas. As piadas de mau gosto de um presidente falastrão e insensível ofenderam as duas centenas de famílias brasileiras enlutadas desde a terrível noite de 17 de julho, a maioria das quais nem sequer ainda obteve o escasso consolo de ter os seus mortos identificados para poder sepultá-los.

Em lugar de ser o primeiro a manifestar a solidariedade que elas merecem, Lula deu, isso sim, o tom para a “Alegria de Brasília”, destacada ontem pelo jornal O Globo. As palavras encabeçam um conjunto de quatro fotografias que dizem tudo do verdadeiro ato de profanação que foi a posse do novo ministro. A seqüência mostra, primeiro, o presidente Lula e o já ex-ministro Waldir Pires; depois, o sucessor Jobim; em seguida, o comandante da Aeronáutica, Juniti Saito; por último, o assessor presidencial Marco Aurélio Garcia, uns rindo, outros gargalhando.

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