Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, julho 25, 2007

Merval Pereira - Autonomia em questão




O Globo
25/7/2007

A demissão do presidente da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), Milton Zuanazzi, a esta altura já estaria consumada se não fosse a impossibilidade legal de demiti-lo. O Palácio do Planalto e a oposição estão às voltas com a mesma questão: a mudança na Anac só poderá ser realizada se Zuanazzi e a sua diretoria pedirem demissão.

O senador Demóstenes Torres, do DEM, relator da CPI do Apagão, mandou fazer um estudo e descobriu que juridicamente é impossível destituir o presidente de qualquer agência reguladora e sua diretoria, que têm mandatos de três anos. Na lei que criava a Anac, Lula vetou a previsão de demissão do presidente, alegando estranhamente que a agência não tinha suas atribuições suficientemente claras, e portanto não havia como definir os casos em que cabia a destituição.

Havia quatro possibilidades previstas: renúncia, uma decisão judicial, e através de um processo disciplinar. A quarta era a demissão por uma decisão do Senado, que é quem sabatina e aprova os presidentes e diretores das agências reguladoras. O presidente não quis dar condições ao Senado de, no caso de omissão grave ou de ação criminosa, poder demitir. Somente o Presidente da República pode abrir um processo disciplinar, mas não por incapacidade ou má gestão.

Na criação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) havia uma série de metas a serem cumpridas, mas na prática essas exigências não são cobradas. O senador Demóstenes Torres chama a atenção para a incongruência: "Podemos impedir o presidente da República, destituir o procurador-geral da República, mas não podemos fazer nada com relação aos presidentes das agências reguladoras".

Há uma lei sobre as agências reguladoras que está em tramitação no Congresso, e os políticos da oposição já se movimentam para incluir nela a exigência de cumprimento de metas de gestão, que seriam acompanhadas pelo Senado. Seria uma maneira de proteger a autonomia das agências, e ao mesmo tempo, ter parâmetros para avaliar sua eficiência.

O senador Demóstenes Torres pediu ao delegado Renato Sayão, que atua na investigação do desastre em Congonhas, em nome da CPI do Apagão Aéreo, para fazer um levantamento das concessões, para basear um pedido de afastamento do cargo. Para o parlamentar, quando o presidente mandou reduzir em 40% o movimento de Congonhas, ficou claro que a Anac concedeu licenças excessivas, privilegiando a Gol e a TAM.

O fato é que o desprezo manifestado desde o início por este governo pelas agências reguladoras se reflete na cada vez menor capacidade delas de atuar efetivamente nos diversos setores. Depois de pouco mais de um ano de um relacionamento tenso no governo Lula, o presidente do Comissão de Valores Mobiliários (CVM) nomeado no fim do governo Fernando Henrique Cardoso para um mandato de três anos, o advogado Luiz Leonardo Cantidiano, pediu demissão.

Seu desconforto era semelhante ao do então presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), embaixador Sebastião do Rego Barros, que teve de engolir a nomeação de Haroldo de Lima como diretor e não conseguia completar sua diretoria. Cantidiano também não conseguiu nomear seus diretores, uma tarefa de exclusiva competência do presidente da República.

Quando se tem presidentes de agências autônomas com visões opostas à do governo central, torna-se tarefa de cunho político extremamente delicada, e que pode gerar curto-circuitos. Hoje, Haroldo Lima é o presidente da ANP, indicado do PCdoB que é formalmente a favor do monopólio estatal do petróleo.

A idéia de autonomia sempre foi tolerada, mas nunca aceita e prestigiada pelo governo Lula, que se deu conta de que poderia nomear, à medida que terminam os mandatos trienais, pessoas da sua confiança, ou forçar a demissão de presidentes não adaptados à sua política, como foi o caso do economista Luiz Guilherme Schymura, que saiu da Anatel por discordâncias com a política do governo quando o ministro das Comunicações era Miro Teixeira.

No final da década de 30, com a criação dos institutos de pensão, que eram também autônomos, já acontecia esse problema. O IAPI, o instituto dos industriários, foi a primeira das autarquias criadas ainda no governo Getúlio Vargas. Quando Plínio Cantanhede levou o decreto pronto, Getúlio perguntou: "Dr. Plínio, quantos eu posso nomear nesse seu instituto?"

Cantanhede respondeu:

"Só um, presidente. O meu cargo."

As autarquias acabaram virando, ao longo dos anos, órgãos subordinados à administração federal.

Há várias maneiras de cercear a autonomia sem mudar a lei: criar constrangimentos, não dar dinheiro. Agora, o governo se depara com um problema diferente: aparelhou a Anac com pessoas que nada têm a ver com a aviação comercial, e agora quer mudar o perfil da agência, mas está de mão atadas.

Como Zuanazzi é indicado pelo PT da ministra Dilma Roussef, e outros diretores têm padrinhos políticos como o ex-ministro José Dirceu, a questão transformou-se em uma disputa política dentro da base aliada do governo, especialmente dentro do PT.

O centralismo burocrático não gosta da idéia de um órgão autônomo, acima dos ministérios. Mas essa indefinição do governo gera insegurança dos investidores, que terão que ser atraídos para os grandes projetos de infra-estrutura necessários a um crescimento econômico sustentado.

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