Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, julho 24, 2007

Luiz Garcia - Nem tudo contingenciado




O Globo
24/7/2007

Investigações oficiais e revelações não desejadas pelo governo sobre a tragédia do Airbus aos poucos vão mostrando tanto a história do acidente como o rol de suas causas.

Esboça-se um quadro misto de incompetência oficial e ganância empresarial. A cada revelação fica mais evidente que a segunda tem sido bem-sucedida devido ao nível assombroso da primeira.

Vale a pena, para adequada fixação de responsabilidades, atentar para um comportamento do governo Lula na gestão do tráfego aéreo: o obsessivo contingenciamento de verbas para o setor, ano após ano. Foi o que mostrou José Casado em reveladora reportagem no GLOBO de domingo.

O problema não é novo: data da entrada em vigor da Constituição de 88, que sacramentou a figura do orçamento meramente autorizativo. O projeto aprovado pelo Legislativo dá ao Executivo a permissão de gastar determinadas quantias para tais e tais fins. Dentro desse limite, o governo gasta o que quiser - mas só se quiser.

Não há discussão pública, nem a turma da tesoura tem qualquer obrigação de apresentar motivos. No início de cada ano, o governo baixa um decreto informando quanto vai cortar das verbas relacionadas no Orçamento. Dispensa-se de apresentar motivos, exceto pela premissa implícita de que o dinheiro não dá para tudo. A decisão é pétrea; não são pedidas nem aceitas ponderações de quaisquer setores.

Ninguém discorda que algum contingenciamento é inevitável. No entanto, numa administração minimamente competente e verdadeiramente democrática, um exercício elementar de sensatez deveria impedir que os técnicos da área financeira metessem a faca em setores literalmente vitais. Aqueles em que fechar a porta do cofre significa abrir a caixa de Pandora, gesto que desde os tempos do Olimpo espalha dor e sofrimento entre os homens.

No caso do tráfego aéreo, o governo Lula há quatro anos é avisado de que o setor tem crescido extraordinariamente - e os riscos vêm aumentando da mesma forma.

Mas a realidade raramente é percebida na Ilha da Fantasia: os recursos continuaram a ser cortados drasticamente em todos os orçamentos. Não deixou de acontecer nem mesmo depois do acidente com o avião da Gol. "A política de contingenciamento não prevê exceção", informou a Casa Civil, no ano passado, ao Ministério da Defesa. Na época, já era uma atitude burra, como toda aquela que fecha os olhos a fatos novos - ou à descoberta de fatos escondidos.

Ninguém deseja um Executivo pródigo, irresponsável. Mas o cidadão tem direito a exigir que governantes combinem alguma sensatez com um mínimo de espírito público. E tenham a humildade de aprender com as asneiras que cometem.

Sensatez, espírito público e humildade parecem drasticamente contingenciados na atual administração. Asneiras, acidentais e deliberadas, nem tanto.

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