Em discursos ambíguos, presidente reclama de "pequenez", mas elogia classe política
Frankie Marcone /Futura Press | Lula durante o lançamento do PAC do saneamento, em Natal |
LETÍCIA SANDER
ENVIADA ESPECIAL A TERESINA
KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM NATAL O presidente Luiz Inácio Lula da Silva encerrou ontem em Teresina (PI) a viagem a quatro Estados do Nordeste para lançar obras do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) dizendo ter dado "uma surra" em seus adversários nos últimos quatro anos e meio. Ainda provocou: "Eles vão ver agora".
"Se nós já demos uma surra nos nossos adversários pelo que fizemos em quatro anos e meio, quando a gente não tinha tanta experiência, eles vão ver agora, nesses próximos quatro anos, o que a gente vai fazer neste país", afirmou. Lula já garantiu inúmeras vezes que não será candidato em 2010. Ontem voltou a dizer que se sente aliviado por não disputar.
Após dois dias de constrangimentos por ter sido alvo de protestos e vaias localizadas em Aracaju (SE) e Natal (RN) na região do país em que sempre foi melhor avaliado, Lula ouviu só aplausos em Teresina.
"Eu acho que vaia e aplauso fazem parte da democracia. As pessoas têm o sagrado direito de se manifestar. A unanimidade é sempre burra. Entendo que exista por parte de alguns o interesse de falar que o presidente foi vaiado. O presidente teve, e todos tivemos, protestos de alguns; agora tivemos o aplauso de milhares", disse a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil), que acompanhava Lula.
O presidente foi ambíguo ao se referir à classe política e aos adversários e oscilou entre elogios ao Sudeste e a críticas aos que não querem o desenvolvimento do Nordeste.
Em Natal, Lula reclamou da "pequenez política" refletida em críticas que recebe da oposição. Porém, em seguida, elogiou os políticos brasileiros e afirmou que a "classe política" está "cada vez mais civilizada".
"Às vezes um cidadão de oposição acha ruim quando o governo federal traz obra para uma cidade ou Estado que é [administrado por] adversário dele. [...] Ora, governar o país não é fazer dessa imensa pátria uma república como se fosse um clube de amigos", afirmou.
Em Teresina, antes de provocar seus adversários, disse que não faz distinção entre um governador "porque é do PT ou do PFL". Chamou de má-fé uma reportagem publicada pela Folha, mostrando que, em SP, o governo privilegiou prefeituras do PT na partilha dos recursos do PAC. "O prefeito da capital é do PFL [DEM], o governador, é do PSDB, e o PAC de SP são quase R$ 8 bilhões", afirmou.
O presidente, que uma vez mencionou que, dos deputados, "pelo menos 300 são picaretas", ontem elogiou o Congresso. Disse que tanto a Câmara como o Senado foram ágeis ao votar o PAC: "Não adianta um senador dizer "eu não gosto do Lula". [...] Ele que pegue a tribuna e me xingue o quanto quiser, até cair a língua, não tem problema. [...] Agora, na hora em que ele tiver que votar, ele tem que ver o seguinte: esse projeto vai beneficiar o presidente ou o povo brasileiro?".
Água Perrier
Em Natal, Lula reiterou que vai concretizar o projeto da transposição do rio São Francisco. Disse que d. Pedro 2º (1825-1891) "tentou fazer a obra em 1847". "Eu, que não sou imperador, não sou príncipe, sou apenas um retirante nordestino que virei presidente, que conhece a realidade do Nordeste, vou fazer."
Segundo Lula, só pode ser contra levar desenvolvimento para o Nordeste "quem tem água Perrier na geladeira". "Só é contra quem não sabe o que é pegar um pote d'água cheio de barro, de merda de animal, de caramujo, levar para dentro de casa, colocar para assentar e ficar tomando aquela água barrenta cheia de caramujo para pegar doença, para apodrecer os dentes, pegar verminose."
Uma claque aplaudiu e cantou para Lula e políticos que participaram do evento em Natal. Manifestações e vaias não chegaram a ser vistas, pois foram barradas do lado de fora.
A organização do evento estima que estavam no Centro de Convenções de Natal cerca de 2.000 pessoas. Cerca de 200 manifestantes não puderam entrar, mas bradavam, do lado de fora, contra Lula, o caos aéreo e a corrupção. Eram funcionários do Incra, do Ibama, além de militantes do PSTU.