Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 29, 2007

AUGUSTO NUNES SETE DIAS

O coração parou de sangrar

O candidato sem patrocínio embarcava em qualquer teco-teco com a naturalidade do metalúrgico a caminho de um comício em São Bernardo. O favorito da campanha de 2002 exibia, a bordo de jatinhos, a alegria do garoto no cockpit de um monomotor de parque infantil. O presidente da República ainda nem havia decorado o número do seu telefone no Planalto quando mandou a Aeronáutica providenciar um avião só para ele.

Em janeiro de 2005, foi apresentado à imprensa o Airbus-319 novinho em folha, comprado por US$ 56 milhões. "Um bom negócio", garantiu o brigadeiro Luiz Carlos Bueno, então comandante da Aeronáutica, amparado numa penca de argumentos. Nos 30 anos seguintes, por exemplo, os presidentes da República poderiam viajar em segurança.

Com menos de três anos de vida, o Aerolula poupa os passageiros de quaisquer sustos, solavancos ou sobressaltos. É pilotado por craques escolhidos no grupo de elite da FAB. É monitorado por uma equipe especial de controladores de vôo. Decola e pousa só em pistas longas (e com ranhuras).

A milhagem acumulada em pouco mais de dois anos informa que Lula adora voar. Marisa Letícia, a Primeira Passageira, não precisa acordá-lo com palavras melosas para evitar que o maridão desista do embarque e fique em casa de cuecão. Lula acorda sozinho. Às vezes, nem dorme.

Na quarta-feira, ao festejar no Planalto a troca de Waldir Pires por Nelson Jobim, o homem que não resiste a uma decolagem desconcertou a platéia com a revelação: tem medo de voar. "Depois que o avião fecha a porta, entrego minha sorte a Deus", jurou no meio do improviso.

Até setembro passado, só dizia isso gente que desce ao inferno quando sobe aos céus. Depois de mais de nove meses de apagão, a frase que identificava portadores de fobias hoje identifica portadores de bilhetes da TAM ou da Gol, ambas com vaga garantida nas listas das 10 piores do planeta.

Livre de fobias do gênero, dispensado de embarcar nos sucatões transformados em paus-de-arara dos ares, por que o presidente ambulante dissera aquilo? "Para que a gente tenha momentos de descontração, para tornar a vida, eu diria, menos sofrível", explicou Lula no fim do discurso. Era brincadeira.

Um dos muitos chistes encaixados no falatório. Disse que escolhera Jobim para restabelecer a paz doméstica. "Ele estava em casa sem fazer nada, atrapalhando a esposa", sorriu o orador. E decidira devolver Waldir Pires ao lar para proporcionar um merecido descanso ao companheiro octogenário. Cinco dias depois da dramática revelação, o coração de Lula parara de sangrar.

Sangrando continuam os corações devastados pela tragédia em Congonhas. Enquanto Lula se divertia, Carmen Gomes esperava, no IML de São Paulo, a identificação do que restou da mãe, Maria Elisabete Caballero, e das filhas Júlia Elizabete (14 anos) e Maria Isabel (10). Acabara de entregar aos legistas dentes que guardara como lembrança das meninas. Dentes-de-leite.




Cabôco Perguntadô

A deserção de dois pugilistas cubanos que estavam no Rio para o Pan-2007 deixou o Cabôco tão desconcertado quanto Fidel Castro. Se a ilha do Comandante é uma sucursal caribenha do paraíso, como aprendeu na infância com o tio comunista, por que todo mundo sempre foge de lá, nunca para lá? Por que os mais ferozes revolucionários não vão viver em Cuba nem depois de aposentados? Como Fidel anda sem saúde para isso, o Cabôco vai pedir ao companheiro José Dirceu que decifre o mistério.


Rebanho disciplinado

Os intelectuais governistas seguem contemplando em estrepitoso silêncio a greve de funcionários federais que, há vários meses, paralisou quase inteiramente o território administrado pelo Ministério da Cultura. Museus fechados, bibliotecas em frangalhos, projetos mortos por falta de verbas, um ministro que só abre a boca para cantar - nada disso mereceu um único pio dos pensadores federais. Decerto não querem ser confundidos com reacionários, como explica o estrategista político Luiz Fernando Verissimo.


Um silêncio estrepitoso
O brigadeiro Juniti Saito, comandante da Aeronáutica, sempre foi de poucas palavras. Encurtou o vocabulário no momento da explosão em Congonhas. E desaprendeu a juntar vogais e consoantes no dia em que entregou medalhas de honra ao mérito, "por bons serviços prestados à aviação civil", ao presidente da Anac, Milton Zuanazzi, e a três diretores da agência fantasma. Agora, Saito só abre a boca para engolir medalhas devolvidas por gente avessa a más companhias.

Faz sentido. Melhor perder a voz que o emprego.



A arremetida do brigadeiro

Pelo que disse ou deixou de dizer, pelo que fez ou deixou de fazer, o brigadeiro José Carlos Pereira é incapaz de presidir uma associação de empinadores de pipas. Como isto é o Brasil, comanda simultaneamente a Infraero e a esquadrilha dos aeroloucos do apagão. "Os mortos são nossos!", tentou arremeter o brigadeiro, pronto para bombardear a associação internacional de pilotos. Derrapou na pista.

Gente que ajuda a matar não tem direito nenhum sobre as vítimas. Só tem direito a um julgamento justo.




Yolhesman Crisbelles
O campeão da semana é o bom baiano Waldir Pires, tardiamente afastado do Ministério da Defesa, pela explicação oferecida para as críticas que desabaram sobre seu desempenho como gerente-geral do apagão aéreo:

Os reacionários golpistas, inconformados com a reeleição do presidente Lula, estão usando a minha pessoa na tentativa de enfraquecê-lo, para depois derrubá-lo.

Ainda bem que Waldir foi devolvido ao lar. O homem precisa de um descanso.


29 / 07 / 2007

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