Merval Pereira - Futuro em risco

O Globo

31/7/2007

A passeata contra o caos aéreo acabou se transformando em manifestação contra o governo, assim como as vaias que Lula recebeu de corpo presente na abertura, e mesmo ausente no encerramento do Pan no Rio. O fato de as vaias não terem poupado desta vez nem o prefeito Cesar Maia nem o governador Sérgio Cabral, vitoriosos na organização do evento e na manutenção da ordem na cidade, demonstra que a paciência dos cidadãos comuns já está chegando a um limite com os políticos. Ou melhor, com a maneira de se fazer política neste país, onde interesses os mais diversos se unem não para implementar políticas de estado acima dos interesses particulares de grupos, mas exatamente para que todos os interesses particulares sejam atendidos. A isso se apelida de "governo de coalizão", esquecendo-se de que os programas de governo é que dão a liga às verdadeiras coalizões. É um equívoco do governo e de seus áulicos vibrarem com a perspectiva de o acidente do avião da TAM em Congonhas, que matou 199 pessoas, não ser de responsabilidade direta de nenhum fator sob o controle das ações de órgãos como a Infraero ou a Anac. Assim como foi equivocada a análise de que o caos aéreo não tinha grande importância porque não afetou a popularidade de Lula durante esses dez meses, já que só a classe média viaja de avião. Seria repetir o erro imaginar que esse protesto ocorrido em São Paulo, que reuniu mais de seis mil pessoas, só represente uma reação elitista contra o governo popular de Lula. Mesmo que se confirme a primeira tomada de pulso da opinião pública do instituto Vox Populi que, segundo seu diretor Marcos Coimbra, não registrou nenhuma mudança significativa no apoio ao governo Lula depois da tragédia da TAM, isso não significa que alguma coisa na percepção popular não esteja em movimento. Mesmo que seja para confirmar uma divisão do país que já se revelou profunda no resultado do primeiro turno da eleição presidencial do ano passado. Não é bom para o país que essa divisão seja explorada, como começa a ser feito por ambos os lados. Atribuir à burguesia exploradora e golpista os protestos contra o governo popular de Lula corresponde a uma fantasia que só pode ser montada com má-fé. Carecem de fundamentos as teorias da conspiração que atribuem aos ricos e endinheirados uma campanha para pôr fim prematuro ao governo Lula. Também a mentira da conspiração da mídia contra o governo tem pernas curtas. Bastou que a TV Globo, paranoicamente acusada de ser contra o governo, anunciasse que o Airbus da TAM voava com o reverso travado, para que os governistas comemorassem o suposto peso tirado dos ombros. Mas bastou que a mesma televisão mostrasse o assessor especial do Planalto, Marco Aurélio Garcia, comemorando com gestos obscenos a notícia, para que a TV Globo voltasse a ser acusada. O mesmo acontece com a revista "Veja". Acusada de fazer campanha contra o governo, a matéria de capa desta semana, com informações que levam a um erro do piloto no manuseio do manche do avião, está sendo considerada pelos petistas como uma prova de que o desastre nada teve a ver com o caos aéreo que o país vive praticamente há um ano. Sendo assim, por que demitir o ministro Waldir Pires, que vem tirando o corpo fora das grandes decisões sobre o tráfego aéreo faz tempo, alegando reiteradamente que ele não faz parte de sua competência ministerial? Não teria sentido, por esta ótica, a decisão anunciada ontem pelo novo ministro da Defesa de demitir o presidente da Infraero, e de cortar todos os vôos de conexão de Congonhas, descongestionando o tráfego aéreo naquele aeroporto. Alguma coisa as medidas devem ter com a tragédia do Airbus da TAM, ou será mera coincidência? Aliás, até mesmo a escolha de Jobim está sendo interpretada por parte do petismo como uma concessão de Lula, numa tentativa de fazer acordo político com a direita, isto é, com os tucanos, porque Jobim foi ministro de Fernando Henrique, e tem uma relação de amizade com o governador José Serra. Essa radicalização de posições levou a que na passeata de São Paulo surgisse o grito "Fora Lula" apenas seis meses depois da reeleição. Da mesma maneira que o "Fora FHC" era palavra de ordem do PT, levando o hoje ministro da Justiça Tarso Genro a escrever um artigo pedindo nada menos que o impeachment de Fernando Henrique meses depois de sua reeleição. O momento político de pedir o impeachment de Lula dentro da lei se caracterizou quando ficou comprovado o uso de dinheiro ilegal no pagamento do marqueteiro Duda Mendonça, responsável pela campanha presidencial. Poderá voltar caso o Supremo Tribunal Federal considere verdadeira a acusação do procurador geral da República de que foi formada uma quadrilha dentro do Palácio do Planalto para comprar apoio político para o governo. Fora disso, querer tirar Lula porque faz um governo em vários aspectos incompetente e inepto é golpe. Petista de alto coturno e, portanto, isento de ser confundido com um trânsfuga, o prefeito de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, fez um dos poucos comentários sóbrios entre governistas e oposicionistas radicalizados nos últimos dias. É possível ganhar eleições apenas com os pobres, mas não se governa sem a classe média, advertiu Pimentel. Também não é possível fazer política num ambiente radicalizado como o que vivemos já faz muito tempo, desde que o PT decidiu que para chegar ao poder teria que inviabilizar o governo tucano. Se a cada quatro, cinco ou oito anos a oposição da ocasião resolver impedir a ação do governo do momento como maneira de chegar ao poder, o país fica sem capacidade de planejar seu futuro, e a política se torna um jogo sujo e rasteiro.