Depois de domar o crime, o país renasce para a modernidade
Diogo Schelp, de Bogotá
Fotos de Paulo Vitale
CAPITAL DO CRESCIMENTO |
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Vista do exterior, a Colômbia é um país sem lei. Uma imagem dessas, fruto inevitável de quem acumula o duvidoso título de o maior exportador mundial de cocaína, não se muda da noite para o dia. É por isso que Ricardo Hepp, gerente-geral da rede de lojas de departamentos Falabella, desenvolveu uma técnica para convencer executivos estrangeiros a ir trabalhar com ele na Colômbia. Hepp leva o convidado e sua família a um restaurante nos arredores de Bogotá chamado Andrés Carne de Res. A comida do lugar não é lá essas coisas, mas a alegria do ambiente é contagiante. Ali, a freguesia dança entre as mesas, canta e diverte-se com os garçons, que, fantasiados, também dançam e cantam enquanto trabalham. Tem-se a impressão de que em nenhum outro lugar há tantos motivos para ser feliz como em Bogotá. "As oportunidades de negócios na Colômbia são o segredo mais bem guardado da América Latina", diz Hepp, cuja empresa, chilena, pretende abrir mais oito lojas no país até 2010. Seu otimismo é alimentado por dados concretos. O produto interno bruto colombiano cresceu 6,8% no ano passado, 2 pontos acima da média latino-americana. Os 8,1% apurados no primeiro trimestre em relação ao mesmo período de 2006 sinalizam um desempenho bom também neste ano. Tirando a Venezuela, cuja economia é totalmente dependente do preço do barril de petróleo, a Colômbia foi o país que mais cresceu na América do Sul nesse período.
FILHOS PRÓDIGOS Andrés Baiz, Andrés Calderón, Cristian Conti e Diego Ramírez são sócios da Dynamo Capital, que administra um fundo de capital de risco especializado em investir em cinema, em Bogotá. Todos trabalhavam no exterior quando decidiram voltar para a Colômbia para abrir a empresa. Um terço dos investimentos vem de fora |
O "segredo" de que fala Hepp é o responsável pelo furor de "vamos comprar enquanto ainda está barato". Nos últimos cinco anos, os investimentos diretos e o fluxo de capitais dobraram na Colômbia. O desembarque de capital estrangeiro, que em 2002 representava 2,6% do PIB colombiano, ampliou sua participação para 4,7% em 2006. O maior negócio ocorreu em 2005, quando a sul-africana SabMiller, o segundo maior grupo cervejeiro do mundo, desembolsou 4,8 bilhões de dólares pela colombiana Bavaria. Numa prova de confiança, o Citibank montou em Bogotá seu call center latino-americano. As empresas brasileiras não ficam atrás. A Votorantim acaba de adquirir a segunda maior siderúrgica da Colômbia. A Gerdau pretende dobrar sua produção de aço no país até 2010. O Grupo Synergy, do brasileiro German Efromovich, que já investia na exploração de petróleo colombiano, comprou em 2004 a falida Avianca, a maior companhia aérea do país, pela pechincha de 64 milhões de dólares. Hoje, depois de a empresa ter sido saneada, seu valor é estimado em 800 milhões de dólares. "A Colômbia é o melhor país para investir na América Latina, graças a uma mescla de boas oportunidades, tranqüilidade jurídica e segurança física", diz Efromovich. Segurança física? Espantosamente, essa é uma das sete razões para a Colômbia ter caído nas graças dos investidores internacionais. São elas:
1. Segurança – Sete anos atrás, um relatório da ONU colocou a Colômbia como o segundo país em mortes violentas, atrás apenas da Suazilândia, na África. De lá para cá, a ação firme do governo e o policiamento ostensivo reduziram em 40% o número de homicídios, em 80% o de seqüestros e permitiram que os colombianos voltassem a viajar pelas estradas, sem o antigo medo de seqüestro. A guerrilha e os narcotraficantes foram expulsos das principais cidades.
2. Segurança jurídica – Não é preciso perspicácia para perceber que a Colômbia é o único país daquele canto da América Latina a salvo do furor populista que afasta investidores da Venezuela, da Bolívia e do Equador. O governo colombiano até oferece um contrato de estabilidade jurídica, para garantir que não haverá prejuízo se as regras do jogo forem alteradas no futuro.
3. Democracia e economia estáveis – Sem um golpe de estado há meio século, a Colômbia tradicionalmente entrega a gestão pública aos quadros técnicos, o que garante certa continuidade administrativa. Nas últimas cinco décadas, houve retração econômica em apenas dois anos. O país nunca passou por hiperinflação nem deu calote na dívida externa.
4. Poder de compra crescente – A Colômbia tem a terceira maior população da América Latina. A renda per capita cresceu 12,3% nos últimos três anos, mais do que no Chile e no Brasil.
5. Localização – A meio caminho entre o Cone Sul e os Estados Unidos (o vôo entre Bogotá e Miami demora menos de 4 horas), a Colômbia é um bom endereço para as empresas com ambições nos dois mercados. Para facilitar, o país tem portos no Oceano Pacífico e também no Atlântico.
6. Mão-de-obra capacitada – Nas carreiras técnicas, muitos colombianos fazem especialização nos Estados Unidos ou na Espanha. O custo da mão-de-obra é baixo. Os salários médios dos engenheiros colombianos são menores que os dos indianos.
7. Grandes oportunidades – Ausente por anos do radar dos investidores internacionais, o país é um território virgem em muitas áreas de investimento. Neste ano, por exemplo, o governo está colocando à venda 20% das ações de sua estatal petroleira.
Mandel Ngan/AFP |
PRESIDENTE DA CONFIANZA Álvaro Uribe, mão dura contra o crime e abertura ao mundo |
Essas sete razões asseguram um clima de confiança essencial para os investimentos. O risco-país da Colômbia caiu de 451 para 135 nos últimos quatro anos. Pesquisas de opinião recentes revelam que a maioria dos empresários colombianos acredita que o país está no rumo certo. O otimismo está intimamente ligado à figura do presidente Álvaro Uribe, 55 anos, um político cuja modernidade faz contraste com o esquerdismo tacanho de governos vizinhos, sobretudo o de Hugo Chávez, que não esconde seu ódio ao colombiano. Uribe foi governador de Medellín e teve o pai seqüestrado e assassinado em 1983. Ao assumir, em 2002, adotou a linha de mão pesada contra los violentos, como são apelidados os guerrilheiros, os paramilitares de direita e outros bandidos. Reeleito no ano passado para um segundo mandato, Uribe enfrenta a pior crise política de seu governo. Há acusações de que deputados de sua base de apoio receberam dinheiro de grupos de extermínio e de que o próprio presidente tem ligações com paramilitares, que assassinaram milhares de pessoas, incluindo parlamentares. Na esteira da confusão, a aprovação a seu governo permanece elevadíssima, próxima dos 70%.
O ESTADO NA FAVELA Junto com o teleférico Metrocable, favela de Medellín ganhou praças, biblioteca e policiamento |
Uribe oferece aos colombianos e aos investidores estrangeiros um produto escasso na América Latina: confiança. Esse é, aliás, o lema de seu governo. Em boa medida, significa que a Colômbia é um país sério, que merece credibilidade e não deve ser confundido com as nações falidas da América do Sul. Não surpreende que sete de cada dez empresários estrangeiros interessados em investir na cidade de Medellín sejam venezuelanos. Uma boa demonstração do otimismo é o movimento de retorno dos jovens profissionais que viviam no exterior. O sonho das mães colombianas era enviar o filho para estudar nos Estados Unidos ou na Espanha e que ele encontrasse um bom emprego por lá. "Agora, os jovens colombianos preferem voltar e seguir carreira por aqui mesmo", alegra-se o economista Carlos Ronderos, ex-ministro do Comércio Exterior da Colômbia. Até os turistas estrangeiros estão de volta. O número de visitantes dobrou nos últimos quatro anos.
TURISMO REVIGORADO |
As principais atrações estão no litoral caribenho e nas agradáveis cidades colombianas, lideradas pela surpreendente Bogotá – de longe, a capital mais limpa e organizada da América do Sul. Em certos aspectos, assemelha-se a Buenos Aires no quesito elegância: Bogotá tem bons cafés, restaurantes e livrarias. Como a temperatura nunca ultrapassa os 22 graus, os moradores têm o hábito de se vestir com roupas formais e apropriadas a um clima ameno. Medellín, outrora a capital do narcoterrorista Pablo Escobar, é um exemplo que poderia inspirar o Rio de Janeiro. Nos anos 80, a presença do estado era nula nas favelas da cidade. Hoje, depois do desmantelamento dos cartéis do narcotráfico e dos grupos paramilitares, a presença da prefeitura é ostensiva. A obra mais espetacular é um teleférico que conecta o metrô a uma favela de Medellín, no alto de um morro. Ao longo da linha, foram construídas uma avenida e pequenas praças. Próximo à última estação, há uma grande biblioteca. O projeto está sendo repetido em outras favelas da cidade.
OPORTUNIDADES PARA OS JOVENS |
Os colombianos discutem, agora, o que é preciso para sustentar o atual bom momento por um longo período. É preciso, sobretudo, se preparar para quando o dinheiro externo começar a minguar. Ninguém desconhece que o país é favorecido pela bonança na economia global. Há dinheiro de sobra no planeta, e alguns investidores estão colocando suas moedas em lugares inesperados. A preferência são os emergentes de grande porte – Brasil, Rússia, Índia e China –, mas uma parte significativa acaba por aterrissar em países menores como a Colômbia e a Polônia. São estados promissores, mas ninguém tem certeza de que vão ter sucesso. Em um continente com uma história de falsas arrancadas e vôos de galinha, a Colômbia destaca-se pelas bases mais sólidas para o desenvolvimento econômico. O país dispõe de indústria e agricultura consistentes e pauta de exportação variada. Entre os dez produtos mais exportados há petróleo, carvão, café, confecções e flores. O fato de as exportações não terem caído nos últimos meses, apesar da valorização do peso em relação ao dólar, mostra que esses setores se tornaram competitivos em escala global.
CAPITAL DA CULINÁRIA |
Surpreende que, nesse contexto, Uribe tenha sido esnobado exatamente pelos americanos. Em sua empreitada para conquistar novos mercados e atrair investimentos, o presidente apostava em um tratado de livre-comércio com os Estados Unidos. A Colômbia é um aliado vital de Washington numa região convulsionada. Os americanos enviaram 5 bilhões de dólares em ajuda para a Colômbia desde 2000. Só o Iraque, o Egito, Israel e o Afeganistão receberam mais. Surpreendentemente, a liderança democrata no Congresso rejeitou o acordo sob argumentos vagos de abusos de direitos humanos na Colômbia. Tecnicamente, o tratado não está morto, apenas adiado. Os colombianos sentem-se traídos e sabem que precisam se virar sem o acordo de livre-comércio. Não parece haver divergência sobre o caminho a seguir. Este foi definido a VEJA pelo vice-presidente colombiano, Francisco Santos: "Almejamos para nosso país o modelo chileno de desenvolvimento, com abertura para o mundo".
INVESTIMENTO NA CERVEJA |
Foto Inaldo Perez/AP |
Com reportagem de Denise Dweck
NÃO FOI SEMPRE ASSIM O Parlamento brasileiro é uma instituição de triste presente e incerto futuro mas de passado glorioso.O Congresso Nacional já foi uma instituição com muito mais peso no jogo entre os poderes. Em períodos do Império e da República, o Legislativo dividiu com o Executivo a agenda política e protagonizou momentos memoráveis. No Segundo Reinado, por exemplo, a participação do Parlamento foi fundamental na conquista da abolição. A figura de proa foi Joaquim Nabuco. Deputado por Pernambuco, Nabuco fez do fim da escravidão uma causa que transpôs os muros da Câmara. Lembra o historiador Marco Antonio Villa: "Ele buscou apoios no exterior, viajou para a Inglaterra e lançou um livro, O Abolicionismo, que se tornou um clássico. Hoje, a maior produção literária de nossos parlamentares são os livros de poemas que eles editam na gráfica do Senado". |
A GUERRILHA PERDE FÔLEGO
AP |
MORTOS-VIVOS Na Colômbia, os reféns da guerrilha formam um contingente de 3 milhares de pessoas que permanecem desaparecidas por anos – e por isso são chamadas de "mortas-vivas". Seqüestrada quando concorria à Presidência da Colômbia, Ingrid Betancourt, acima, em vídeo divulgado pelas Farc, está há cinco anos no cativeiro. Abaixo, em Bogotá, familiares acendem velas em memória das vítimas das Farc. |
Carlo Junior Martinez/AFP |
Cinco anos atrás, quando Álvaro Uribe assumiu a Presidência da República, estimava-se que a guerrilha comunista circulasse à vontade ou tivesse o controle efetivo de 40% do território colombiano. Essa área era basicamente de florestas e montanhas de difícil acesso, mas a guerrilha já tinha tomado a decisão de ampliar sua zona de ação com uma campanha terrorista nas principais cidades. Em muitas vilas e cidadezinhas do interior, os representantes do estado só podiam entrar escoltados pelo Exército. Desde o primeiro dia no cargo, Uribe investiu com firmeza – e tropas especiais treinadas com a ajuda dos americanos – na tarefa de recuperar o controle de seu país não apenas dos comunistas, mas também dos narcotraficantes e das milícias paramilitares de direita. Até agora, a missão foi cumprida com sucesso. Os narcos e a guerrilha foram expulsos das principais cidades e empurrados para grotões.
Estima-se que dois em cada três seqüestros na Colômbia sejam cometidos pelas Farc ou pelo ELN. O principal objetivo desse tipo de crime é a extorsão, já que apenas 5% das 2 545 pessoas atualmente no cativeiro são políticos ou militares. Nesse pequeno grupo está Ingrid Betancourt, seqüestrada pelas Farc há cinco anos quando fazia campanha para a Presidência da República. Uma boa medida da perda de fôlego desses grupos armados é a redução no número de seqüestros. No ano passado, 687 pessoas foram seqüestradas, o que representa uma queda de 80% em comparação com 2001. O número ainda é cinco vezes maior que o registrado no estado de São Paulo, com população equivalente.
O governo Uribe conseguiu essa diminuição aumentando o contingente policial e criando unidades especializadas em combater especificamente esse tipo de crime. Mas a guerra contra a violência está longe de ter sido vencida. Isso ficou claro com o assassinato no fim de junho de onze reféns, deputados provinciais mantidos no cativeiro das Farc desde 2002. A reação à matança ilustrou o abismo de percepção existente entre os colombianos, que vêem Uribe como um salvador da pátria, e tantos estrangeiros embalados por uma visão romântica da guerrilha. Do primeiro time, o que vê Uribe como herói, faz parte o mais de 1 milhão de colombianos que saíram às ruas para protestar contra o massacre dos deputados.
No outro grupo, podem-se incluir os governos da França e da Espanha, que pressionam Uribe para negociar um acordo que liberte os reféns mais conhecidos, como Ingrid. Qualquer conversa com as Farc é prejudicada pela exigência feita pelos guerrilheiros de uma "zona desmilitarizada" para sediar as negociações. Ainda está fresco na memória dos colombianos como o presidente anterior foi ludibriado pelas Farc, que usaram uma zona similar para recrutar e achacar os moradores. O governo Lula é daqueles que tratam Uribe com frieza – apesar de ele ser um raro presidente que pode ser levado a sério nos países fronteiriços. No início de seu primeiro mandato, apesar do pedido pessoal feito por Uribe, o presidente Lula negou-se a classificar oficialmente as Farc como grupo terrorista. A posição ambígua, que refletia as simpatias pelas Farc incrustadas no PT, foi aproveitada pela organização guerrilheira, que instalou um representante em Brasília. Por três anos, esse guerrilheiro visitou universidades e fez palestras em escolas – até ser preso em 2005 a pedido da Colômbia por participação num atentado. Casado com uma brasileira, ele conseguiu ser reconhecido como refugiado político e permanecer no Brasil.
Duda Teixeira