O Globo |
10/7/2007 |
Uma das mais criativas e originais apresentações do seminário sobre combate ao crime na América Latina, realizado na semana passada na Universidade de Harvard pelo Instituto Fernando Henrique Cardoso e o Centro Alfred Taubman de políticas públicas, foi a de Norman Loayza, economista peruano do Banco Mundial, que defendeu três políticas de longo prazo para a prevenção da criminalidade: 1) Legalização do tráfico de drogas; 2) Planejamento familiar e 3) Combate à informalidade e à corrupção através da desburocratização. Loayza sempre se refere ao combate ao tráfico de drogas em nossos dias com a palavra "prohibition" (proibição), como ficou conhecida a Lei Seca dos Estados Unidos, aprovada em janeiro de 1919, e que proibia a produção, venda e consumo de bebidas alcoólicas. Mostrando que, como naquele tempo, a proibição das drogas não deteve o tráfico nem fez o consumo decrescer, Loayza chamou a atenção para o fato de que essa política, assim como nos anos 1920 criou condições para a atuação dos gângsteres, hoje em dia criou um mercado para o crime organizado em escala internacional. A política de combate ao tráfico tem sido custosa e ineficiente, inclusive para os Estados Unidos, seu grande mentor, segundo Norman Loayza. O gasto anual subiu de US$10 bilhões nos anos 1980 para US$35 bilhões atualmente. Em 30 anos, o número de presos condenados por crimes relacionados com as drogas subiu, de menos de 50 mil, para 500 mil, representando um em cada quatro presos nos Estados Unidos. Enquanto isso, o preço das drogas está estabilizado ou decrescente, e o consumo não é reduzido. O economista diz que o tráfico de drogas, além de tudo, induz a outros tipos de crime. Segundo estatísticas, a média internacional de homicídios por 100 mil habitantes é de 5,98 em países não produtores de drogas, enquanto nos produtores sobe para 17,05. Loayza, para reforçar a tese de que a legalização e a regulamentação do tráfico de drogas podem trazer benefícios, citou até mesmo Maquiavel em "O Príncipe": "Pode-se descobrir que alguma coisa que parece ser uma virtude, se perseguida pode transformar-se em destruição; enquanto outras que parecem ser vícios, se perseguidas resultarão em segurança e bem-estar". O planejamento familiar é a segunda política pública sugerida pelo economista do Banco Mundial para reduzir a criminalidade. Assumindo a polêmica tese do economista Steven Levitt, que atribui à legalização do aborto a redução da criminalidade em alguns estados americanos, Loayza diz que "crianças não desejadas não serão criadas apropriadamente e são mais suscetíveis a cair numa vida de miséria e crimes". Ele atribui ao machismo, e à conseqüente falta de poder das mulheres, a falta de planejamento familiar nos países pobres do mundo. Segundo pesquisa sobre o estado atual da população mundial, realizada em 2005 pela ONU, cerca de 200 milhões de mulheres casadas têm uma necessidade não atendida de orientação sobre planejamento familiar. E a maioria das mulheres que não usam contraceptivos vem de famílias pobres, segundo outra pesquisa de 2004 do Banco Mundial. Loazya mostrou com números como os mais pobres são mais afetados pela falta de informação: na Índia, 55% entre os 20% mais ricos usam contraceptivos, contra apenas 29% dos mais pobres. O panorama é mais trágico em países como Gana e Yemem, onde apenas cerca de 20% entre os mais ricos usam contraceptivos, enquanto apenas 1% dos mais pobres usam. No Brasil, quase 60% das mulheres que têm quatro filhos e 70% das que têm cinco filhos declaram que gostariam de ter tido menos filhos. O economista sugere uma campanha pela "paternidade responsável", mostrando que na América Latina entre 20% e 30% das mulheres são chefes de família, abandonadas pelo companheiro. O Brasil, com 29,6%, está entre os países de índice mais alto, segundo a última pesquisa do IBGE. Na Nicarágua, chegam a 40% os casos em que o pai não reconhece os filhos. Para Loayza, embora o sexo seja uma questão pessoal, "a fertilização é uma questão social". Como uma descrição exemplar do que ocorre na América Latina, Loayza foi buscar um texto do "Outono do Patriarca", do colombiano Gabriel Garcia Márquez, cujo personagem tivera cerca de 5 mil filhos, e nenhum deles tinha seu nome ou sobrenome. O patriarca considerava que os filhos pertenciam apenas às suas mães e deveriam ter seus nomes: "E isso certamente era válido até mesmo para ele, já que era bem conhecido de todos que ele era um homem sem pai". A terceira medida de longo prazo para combater a criminalidade, segundo Norman Loayza, seria enfrentar o que ele chama do "paradoxo do legalismo". "Os países que têm mais leis e regulamentações é onde elas são mais desrespeitadas", afirma. O excesso de regulamentação e burocracia favorece a informalidade, que por seu turno cria "um ambiente onde o crime e a violência não são apenas tolerados, mas exigidos". Essas três políticas públicas estão em discussão entre nós, e duas das mais polêmicas - a legalização das drogas e o planejamento familiar - já foram defendidas pelo governador do Rio, Sérgio Cabral. Tenho a impressão de que somente como uma política de cunho internacional a legalização das drogas poderia ser implantada, e o fato de que estudos como o de Norman Loayza sejam patrocinados pelo Banco Mundial é um bom começo. Mais pragmático, porém, o ex-secretário nacional de Segurança, coronel José Vicente da Silva, citando estatísticas que mostram que nos últimos quatro anos o Brasil consumiu 20 mil quilos de cocaína, garante: "Piorar vai ser difícil". |
Entrevista:O Estado inteligente
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