Entrevista:O Estado inteligente

sábado, outubro 07, 2006

A economia da propina GESNER OLIVEIRA



O problema da corrupção não se restringe à relação entre os setores público e privado, está também entre empresas
PODIA TER ocorrido em qualquer capital brasileira, mas aconteceu no Rio de Janeiro. Tomei um táxi para o aeroporto. Durante o trajeto, o motorista fez uma lúcida análise da conjuntura do país. Estava indignado com a falta de ética na política. Reclamou dos políticos, dos partidos, da corrupção em geral. Chegando ao Santos Dumont, paguei a corrida, incluindo a gorjeta, e pedi um recibo. Agradecido, o motorista perguntou que valor gostaria que colocasse na nota.
O leitor deve conhecer várias outras histórias desse tipo. No consultório, ainda é comum haver dois preços: com nota e sem nota. Na sala de aula, o aluno brasileiro se destaca por uma das mais sofisticadas tecnologias de "cola" do planeta. Talvez a tolerância com esses pequenos desvios de conduta guarde relação com o desabafo do senador Jefferson Péres (PDT-AM) em recente discurso no Senado de que "a crise ética não é só da classe política, não, parece que ela atinge grande parte da sociedade brasileira".
Não surpreende que essa corrupção endêmica repercuta na economia. Nesta semana, a organização não-governamental Transparência Internacional divulgou um "índice de países corruptores". Esse indicador procura captar em que medida as empresas de um determinado país pagam propinas ou realizam pagamentos não documentados (leia-se, "por fora"). Tal disposição por parte das empresas é condição necessária para a corrupção. Não há corruptos sem corruptores.
Em uma lista de 30 países, o Brasil aparece em 23º lugar, com a nota 5,65, em uma escala de 0 a 10. O México, que não pode ser considerado um campeão da ética, está em melhor situação: tirou 6,45 e está na 17ª colocação.
Resta o consolo de que os outros países do grupo da moda, os Brics, estão abaixo do Brasil. Rússia, China e Índia ocupam as últimas três posições, com notas 5,16, 4,94 e 4,62, respectivamente. Uma análise estatística um pouco mais apurada permite agrupar os países que se encontram em uma espécie de zona de rebaixamento. Além dos três mencionados, aparecem Taiwan e a Turquia, esta última candidata a membro da União Européia.
Note-se que o problema da corrupção não se restringe a uma relação entre os setores público e privado. Conforme acentuam vários estudiosos sobre o tema, a tentativa de auferir vantagens particulares em detrimentos das pessoas jurídicas aparece freqüentemente na relação entre empresas privadas. Se alguém duvida disso, observe os mimos que um gerente de compras recebe nas festas de final de ano.
Tal fenômeno revela um outro fato econômico talvez menos perceptível, mas nem por isso menos importante. O mercado ainda não atribui um valor elevado à reputação de independência e excelência técnica das organizações em várias economias em desenvolvimento. Por isso mesmo, as empresas não estão tão preocupadas em zelar pela sua imagem de independência. Isso vale tanto para uma multinacional quanto para um crítico culinário.
O problema tende a ser acentuado na relação entre o setor privado e o setor público porque as decisões deste último podem afetar de forma decisiva a rentabilidade do primeiro. Isso leva a crer que, quanto maior o poder discricionário da autoridade, maior o risco de corrupção.
Algumas regras podem ajudar a atenuar o problema. Tome-se, por exemplo, a lei nº 9.504, editada em 1997. O artigo 24 dessa lei proíbe a partido e candidato receber doação em dinheiro ou estimável em dinheiro de concessionário ou permissionário de serviço público. Tal comando diminui a probabilidade de possível foco de corrupção. Como decisões da autoridade afetam significativamente o desempenho dos regulados, haveria perigoso incentivo de troca de favores.
Mas devo agradecer ao motorista que me levou ao Santos Dumont. Não pela oferta indecorosa de fraudar o recibo de serviço que tenho de apresentar à pessoa jurídica que custeou minha viagem. Mas pela reflexão de como o problema da corrupção tem raízes profundas. Isso dá razão ao senador Jefferson Péres, que reclama da falta de uma "uma elite dirigente com compromisso com a coisa pública, capaz de fazer neste país o que precisaria ser feito: investimento em capital humano".

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