PAULO RABELLO DE CASTRO
O eleitor perdeu a chance de conhecer como serão tratados os seus principais problemas econômicos
O DEBATE pré-eleitoral é uma ocasião rara. Expõe os candidatos. Repuxa e desalinha a pesada máscara teatral dos políticos, expostos ao olho eletrônico das câmaras. Se há debates enfadonhos e aborrecidos -inutilizados pelo excesso de regras e pela pobreza intelectual dos candidatos-, há outros, como o do último domingo, que resgatam a razão de ser do confronto de idéias no plano político.
Lula e Alckmin finalmente deram o ar da graça. Compareceram mostrando o lado claudicante de um e o lado agressivo do outro. Ao se confrontarem, de algum modo igualaram-se. No dia seguinte, a pergunta de todos, em todas as mídias, era: "Quem venceu o debate?". Se alguém venceu, outro perdeu, obviamente. Desta vez, foi o eleitor, que perdeu mais uma chance de conhecer com alguma nitidez como serão tratados os seus principais problemas econômicos e enfrentados os desafios de coordenação política do Brasil, tanto nesta região como no mundo.
Debates têm um tempo muito limitado. Mas propiciam, para quem tem idéias concretas, planos e programas efetivos ou para quem sonha realizar algo de extraordinário, a chance de, ao menos, pincelar para o público as cores mais fortes do seu projeto de governo.
Lula, entretanto, apequenou-se na repetição do refrão de que nunca antes, "em quatro séculos" (!), houve um governo como o seu "na história desse país". "Agradeça-me por ter salvo este país em 2003", ou "a economia brasileira nunca cresceu tanto quanto agora" (?) são frases que mereceriam a buzina do Chacrinha se houvesse, nesse tipo de debate, uma mesa de árbitros a apitar as infrações ao verbo e à lógica ou grave afastamento da realidade dos fatos.
Um dia ainda teremos uma TV interativa em que o próprio público, ou pessoas selecionadas por ele, darão cartão amarelo a frases sem sentido ou despojadas de consistência. Onde esteve, afinal, o programa dos candidatos? Lula contou com a desculpa -feliz desculpa, por sinal- de que, sendo constantemente atacado no pólo moral e na sua conduta ética, precisava defender-se a todo custo, o que é verdadeiro. Alckmin, entretanto, quando muito bem questionado pelo jornalista Joelmir Beting, já ao final do quarto bloco, sobre quais as medidas concretas para conter os gastos públicos, "onde, quanto e como fazê-lo", não obteve adequada resposta, desperdiçando excelente oportunidade de mostrar o conteúdo de suas "216 páginas" de programa de governo.
Mais do que isso. Programa de governo não é uma lista de providências, como um rol de compras de supermercado. O Brasil precisa crescer mais, como repetiu, insistentemente, o candidato Geraldo Alckmin, contraditando a visão triunfalista do "Tá tudo dominado" de Lula. Entretanto, restou o vazio de idéias quanto ao verdadeiro diagnóstico desse impasse. Por que teria se esgotado o impulso do crescimento, aliás muito antes de Lula, que não tem mérito nem culpa nesse processo de estancamento? Algumas perguntas centrais precisariam ser enfrentadas diretamente pelos candidatos, sem evasivas nem rodeios, tais como:
1) Pode crescer um país cuja taxa de juros, nos últimos 30 anos, tem estado, persistentemente, acima da remuneração do capital de risco? Joelmir quis mostrar a ligação entre o juro excessivo, a dívida interna mal conduzida, o crédito escasso e manipulado e a resultante estagnação dos investimentos. Porém não obteve resposta.
2) Tem condição de crescer e surpreender um país que transfere para aposentados e pensionistas, de modo muito desigual, cerca de 12% da produção total do país, arcada por impostos, em vez de ser por meio de poupanças capitalizadas ao longo do tempo, sendo esses 12% o dobro da média mundial de gasto público em previdência oficial?
3) Tem chance de crescer um país cujo ritmo de investimento tem sido inferior a 20% ao ano, tendo o setor público se afastado dessa tarefa, além de haver deixado de planejar, em sintonia com o setor privado, como se darão tais inversões? Aliás, como crescerá um país cujo consumo interno de cimento e de aço não crescem há algum tempo?
Essas e tantas outras perguntas, que desvendariam, afinal, os tais programas de governo dos candidatos, nem chegaram a ser abordadas. Nesse aspecto, perdemos nós, eleitores espectadores.
Entrevista:O Estado inteligente
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