O Estado de S. Paulo |
6/9/2006 |
A aprovação do fim do voto secreto ontem na Câmara dos Deputados foi um gesto e tanto do Parlamento e deve ser saudado. Principalmente por representar a associação do Poder Legislativo - uma instituição marcada pela desmoralização - ao ainda incipiente movimento de reação àqueles que, invocando a liberdade e a democracia, contribuem para dar ao Brasil a feição de um país que não se dá ao respeito, por moralmente frouxo. Foi um momento alto que, no entanto, não se basta. A instituição do voto aberto para toda e qualquer votação resultou, é evidente, da necessidade de tomar uma providência em relação às votações de cassações de mandato por quebra de decoro parlamentar. Tendo prevalecido no plenário a indiferença à decisão do Conselho de Ética e o compadrio no julgamento dos envolvidos no escândalo do mensalão, o colegiado viu-se tangido a abrir o voto para tudo, inclusive para questões sensíveis, como vetos presidenciais e eleição para as Mesas Diretoras da Câmara e do Senado. São pontos discutíveis, talvez sejam até revogados pelo Senado, sob o argumento de que podem facilitar a influência do Poder Executivo sobre o Legislativo. De qualquer maneira, ontem o importante era dar o passo mais difícil, deixando os ajustes para depois. O PFL entendeu isso e retirou sua proposta de excetuar do voto aberto a eleição das Mesas. Ficou tudo muito bem, ficará melhor ainda depois de concluídas todas as votações, mas não se pode tomar o voto aberto como garantia de boa conduta no caso das punições e de independência no tocante a assuntos de interesse direto da Presidência da República. O voto aberto é um meio para que os parlamentares mostrem à população seu empenho em agir em consonância com as demandas dos bons costumes. Mas ele não assegura que esses mesmos parlamentares terão os modos adequados quando as situações previstas se apresentarem como realidade. Pelo simples fato de que não é a regra que faz o homem (ou a mulher), mas o estilo. Se o próximo Congresso - e pelos prazos regimentais só o próximo terá a oportunidade de mostrar a eficácia da decisão tomada ontem - resolver dar continuidade à atuação de costas para a sociedade, tanto fará o voto aberto como o fechado. Claro que nas situações mais escandalosas e de maior visibilidade, a tendência é a de que o instrumento os obrigue a ouvir aqueles que representam. Mas, no cotidiano, em episódios de menor repercussão, o que vai atuar é a consciência de cada um, naturalmente pautada pelos princípios que estiverem prevalecendo no País. Se o ambiente for de aceitação infratora como regra do pragmatismo inerente à política, serão bem absorvidos argumentos como os usados à época do julgamento dos mensaleiros, e ainda muito em voga, segundo os quais o Parlamento não deve se curvar à opinião pública, firmando sua independência justamente virando-lhe as costas. Um raciocínio torto, para dizer o mínimo, mas que está sempre à disposição para ser invocado, dependendo da necessidade. De todo modo, a votação de ontem mostrou que o Congresso quando quer e sente que precisa agir direito, remove todos os obstáculos. E, neste caso, não eram poucos: 20 medidas provisórias e urgências de projetos governamentais trancando a pauta, deputados em tese ocupados com as campanhas eleitorais "nas bases", resistências sub-reptícias ao fim do voto secreto e a pressão de 70 sanguessugas em risco de condenação. Processo rápido Os processos contra deputados e senadores acusados de participar da máfia das ambulâncias podem ser abertos ainda este ano no Supremo Tribunal Federal. Se o Ministério Público oferecer logo a denúncia, o ministro-relator, Gilmar Mendes, não precisará de um longo tempo para decidir se aceita ou não. A expectativa é que o caso dos sanguessugas tramite no Supremo muito mais rápido do que os processos dos acusados na denúncia do mensalão, porque as provas são mais claras e as culpas, ou inocências, mais simples de serem estabelecidas. Quem passar pelo teste das urnas corre o risco de ser cassado pela Justiça já no primeiro ano de mandato. Feriadão cívico Momentos de baixa no padrão de exigência moral no País, como o atual, têm a vantagem de chamar atenção sobre o assunto e, em conseqüência, alimentam a discussão a respeito. Uma delas vai reunir representantes de 70 organizações não-governamentais de 13 Estados, no interior de São Paulo, de amanhã até sábado, no 1º Encontro de Cidadania e Controle Social na Administração Pública. A promoção é da entidade Amigos Associados de Ribeirão Bonito (a cidade sede), com apoio da fundação suíça Avina. Para debater temas como ética e participação social, morosidade da Justiça, nepotismo, controle e transparência na administração pública, o encontro reunirá juristas, magistrados, procuradores, acadêmicos, representantes da Controladoria-Geral e do Tribunal de Contas da União. |
Entrevista:O Estado inteligente
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