Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 30, 2006

Opção pela decência

Opção pela decência

Mauro Chaves

Amanhã é dia de definir os valores sobreviventes da sociedade brasileira. Depois do estrago colossal dos costumes no espaço público, quando a ignorância foi erigida em troféu e a compra de consciências (com bolsas para famílias pobres e mensalões para parlamentares ricos) se tornou uma prática habitual de manutenção do poder; depois que os interesses e as ambições dos asseclas organizados, na ocupação e no usufruto das funções públicas, prevaleceram sobre quaisquer princípios de conduta ou as mais elementares regras de correção de comportamento, só resta ao eleitor brasileiro mostrar que ainda é possível resistir, por meio da poderosa arma do voto.

Sim, ainda é possível resistir à tentativa de generalizar a aceitação do roubo público, resistir à leniência langorosa ante os desmandos de governantes e representantes do povo, resistir à covardia moral dos que aceitam, pacificamente, a cobiça desenfreada de uma cambada de ladrões, sanguessugas, vampiros, mensaleiros e dossiêleiros, encastelados no alto do poder e que nele pretendem permanecer, ou a ele pretendem retornar, depois de curto intervalo em que puderam preparar a recuperação do posto que ocupavam na grande quadrilha. Uma preparação, aliás, por meio de candidaturas meio escondidas, não exibidas totalmente para não chocar muito os eleitores - como fazem os bandos no preparo de estratégias para um grande assalto. Mas ainda é possível reverter o processo insidioso de esvaziamento de valores éticos, assim como o desprezo quase oficial pelo conhecimento e pelo esforço pessoal do aprendizado, que vai comprometendo a evolução (mental e moral) de nossas gerações, a atual e a futura.

Amanhã é dia de o eleitor brasileiro decidir se gosta ou não de governos mergulhados em crises e escândalos constantes, descobertas contínuas de novas maracutaias, CPIs de todos os tipos, transformação do maior espaço dos jornais em páginas policiais, concentração das melhores energias jornalísticas e intelectuais no assunto das múltiplas bandalheiras cometidas pelos detentores do poder. É dia de impedir ou não que o poder seja exercido por líderes sub judice, cercados por colaboradores sob mandados de prisão, sujeitos a ter de responder, a qualquer momento, por seus atos criminosos - que sempre consideram simples “erros”, na novilíngua em que escrevem e seguem seu glossário de impunidade. É dia de evitar, com o voto, o espanto dos investidores, que vêem as instituições mais tradicionais do País dominadas por um aparelhamento que contradiz, técnica e moralmente, seus valores mais caros, como o espírito público que, de forma arraigada, presidia a política adotada por seus dirigentes e seguida por seus servidores, desde os primeiros tempos.

Amanhã é dia de enfrentar, pelo voto, a empulhação, que tem tentado inverter o sentido dos fatos com uma desfaçatez de tamanho sideral, enaltecendo como sucesso os verdadeiros desastres, tais como o nível de crescimento que nos põe à frente apenas do Haiti (com sua miséria devastadora e em guerra civil) e as acachapantes derrotas diplomáticas em todas as frentes (OMC, ONU, Bird, Bolívia, etc.). E, apesar de alguns aspectos positivos da estabilidade econômica - muito mais dependentes da conjuntura externa do que da gestão interna -, é preciso que se diga pelo voto, amanhã, que o Brasil não merecia mergulhar em tamanho lodaçal e sofrer tal torvelinho de coisas sujas, como o que o sufoca. Por isso o voto, amanhã, poderá ter um sentido detergente, de assepsia moral, capaz de produzir um efeito de faxina e desinfecção do espaço público não previsto nem pelas ratazanas mais pessimistas do meio político caboclo.

É preciso ter em mente que o voto é a expressão de uma vontade cívica, a opção por um caminho previsível, a adesão a uma forma de ser, de agir e de produzir numa sociedade, a partir da influência em que tudo isso possa ter a ação das pessoas públicas, encarregadas dos governos ou das representações legislativas. Por isso o voto não tem nada que ver com as apostas especulativas - como as que se fazem na compra de ações em Bolsas ou pelos volantes das loterias - nem com a adesão das torcidas, em que o “ganhar” ou “perder” é apenas uma sensação de prazer ou desprazer, que se esgota na própria emoção competitiva ou na mera predileção por um clube. Há que repetir o óbvio, nem sempre lembrado: o voto é a participação efetiva no destino coletivo, a parcela de interferência - mínima que seja - de cada cidadão nos assuntos que dizem respeito ao bem-estar, à liberdade e à evolução de sua comunidade. É isso que se preserva, independentemente do resultado que tragam as urnas.

Sob o ponto de vista da decisão ética de cada cidadão eleitor, pouco importa o que digam as pesquisas, os prognósticos que despejem ou os favoritismos que cultuem. Opções diversas existem, mas não há como deixar de entender que melhor será, amanhã, a opção pela decência. Isso significa posicionar-se contra toda essa lameira que jorra torrencialmente do espaço público-político, soterrando as melhores energias produtivas da sociedade, fazendo o diálogo social equiparar-se ao que prevalece nos pátios dos presídios, como se a vida marginal, a razão dos bandidos e os métodos grotescos de manutenção de poder, utilizados pelos bandos organizados, fossem os temas primordiais da sociedade brasileira.

Enfim, a melhor opção amanhã será pela decência. Mas, se o povo decidir em contrário, em nome sagrado da democracia teremos de aceitar mais quatro anos de indecência. São mais 1.460 dias de escândalos, corrupção e confusão. E não passam rápido, gente.

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