Carta para o Chico Buarque |
Artigo - José Danon |
O Estado de S. Paulo |
29/9/2006 |
Chico, você foi, é e será sempre meu herói. Pelo que você foi, pelo que você é e pelo que creio que continuará sendo. Por isso mesmo, ao ver você declarar que vai votar no Lula “por falta de opção”, tomei a liberdade de lhe apresentar o que, na opinião do seu mais devoto e incondicional admirador, pode ser uma opção. Eu também votei no Lula contra o Collor. Tanto pelo que representava o Lula como pelo que representava o Collor. Eu também acreditava no Lula. E até aprendi várias coisas com ele, como citar ditos da mãe. Minha mãe costumava lembrar a piada do bêbado que contava como se tinha machucado tanto. Cambaleante, ele explicava: “Eu vi dois touros e duas árvores, os que eram e os que não eram. Corri e subi na árvore que não era, aí veio o touro que era e me pegou.” Acho que nós votamos no Lula que não era, aí veio o Lula que era e nos pegou. Chico, meu mestre, acho que nós, na nossa idade, fizemos a nossa parte. Se a fizemos bem feita ou mal feita, já é uma outra história. Quando a fizemos, acreditávamos que era a correta. Mas desconfio que nossa geração não foi tão bem-sucedida, afinal. Menos em função dos valores que temos defendido e mais em razão dos resultados que temos obtido. Creio que hoje nossa principal função será a de disseminar a mensagem adequada aos jovens que vão gerenciar o mundo a partir de agora. Eles que façam mais e melhor do que fizemos, principalmente porque o que deixamos para eles não foi grande coisa. Deixamos um governo que tem o cinismo de olimpicamente perdoar os “companheiros que erraram” quando a corrupção é descoberta. Desculpe, senhor, acho que não entendi. Como é, mesmo? Erraram? Ora, Chico. O erro é uma falha acidental, involuntária, uma tentativa frustrada ou malsucedida de acertar. Podemos dizer que errou o Parreira na estratégia de jogo, que erramos nós ao votarmos no Lula, mas não que tenham errado os zésdirceus, os marcosvalérios, os genoinos, dudas, gushikens, waldomiros, delúbios, paloccis, okamottos, adalbertos das cuecas, lulinhas, beneditasdasilva, burattis, professoresluizinhos, silvinhos, joãopaulocunhas, berzoinis, hamiltonlacerdas, lorenzettis, bargas, expeditovelosos, vedoins, freuds e mais uma centena de exemplares dessa espécie tão abundante, desafortunadamente tão preservada do risco de extinção por seu tratador. Esses não erraram. Cometeram crimes. Não são desatentos ou equivocados. São criminosos. Não merecem carinho e consolo, merecem cadeia. Obviamente, não perguntarei se você se lembra da ditadura militar. Mas perguntarei se você não tem uma sensação de déjà vu nos rompantes de nosso presidente, na prepotência dos companheiros, na irritação com a imprensa quando a notícia não é a favor. Não é exagero, pergunte ao Larry Rother do New York Times, que, a propósito, não havia publicado nenhuma mentira. Nem mesmo o Bush, com sua peculiar e texana soberba, tem ousado ameaçar jornalistas por publicarem o que quer que seja. Pergunte ao Michael Moore. E olhe que, no caso do Bush, fazem mais que simples e despretensiosas alusões aos seus hábitos ou preferências alcoólicas no happy hour do expediente. Mas devo concordar plenamente com o Lula ao menos numa questão em especial: quando acusa a elite de ameaçá-lo, ele tem razão. Explica o Aurélio Buarque de Hollanda que elite, do francês élite, significa “o que há de melhor em uma sociedade, minoria prestigiada, constituída pelos indivíduos mais aptos”. Poxa! Na mosca. Ele sabe que seus inimigos são as pessoas do povo mais informadas, com capacidade de análise, com condições de avaliar a eficiência e honestidade de suas ações. E não seria a primeira vez que essa mesma elite faz esse serviço. Essa elite lutou pela independência do Brasil, pela República, pelo fim da ditadura, pelas diretas-já, pela defenestração do Collor e até mesmo para tirar o Lula das grades da ditadura em 1980, onde passou 31 dias. Mas ela é a inimiga de hoje. E eu acho que é justamente aí que nós entramos. Nós, que neste país tivemos o privilégio de aprender a ler, de comer diariamente, de ter pais dispostos a se sacrificar para que pudéssemos ser capazes de pensar com independência, como é próprio das elites - o que, a propósito, não considero uma ofensa -, não deveríamos deixar como herança para os mais jovens presentes de grego como Lula, Chávez, Evo Morales, Fidel - herói do Lula, que fuzila os insatisfeitos que tentam desesperadamente escapar de sua “democracia”. Nossa herança deveria ser a experiência que acumulamos como justo castigo por admitirmos passivamente ser governados pelo Lula, pelo Chávez, pelo Evo e pelo Fidel, juntamente com a sabedoria de poder fazer dessa experiência um antídoto para esse globalizado veneno. Nossa melhor herança será o sinal que deixaremos para quem vem depois, um claro sinal de que permanentemente apoiaremos a ética e a honestidade e repudiaremos o contrário disto. Da mesma forma que elegemos o bom, destronamos o ruim, mesmo que o bom e o ruim sejam representados pela mesma pessoa em tempos distintos. Assim como o maior mal que a inflação causa é o da supressão da referência dos parâmetros do valor material das coisas, o maior mal que a impunidade causa é o da perda de referência dos parâmetros de justiça social. Aceitar passivamente a livre ação do desonesto é ser cúmplice do bandido, condenando a vítima a pagar pelo malfeito. Temos opção. A opção é destronar o ruim. Se o oposto será bom, veremos depois. Se o oposto tampouco servir, também o destronaremos. A nossa tolerância zero contra a sacanagem evitará que as passagens importantes de nossa História, nesse sanatório geral, terminem por desbotar-se na memória de nossas novas gerações. Aí, sim, Chico, acho que cada paralelepípedo da velha cidade, no dia 1º de outubro, vai se arrepiar. Seu admirador número 1, Zé Danon José Danon é economista e consultor de empresas |
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
sexta-feira, setembro 29, 2006
Carta para o Chico Buarque
Arquivo do blog
-
▼
2006
(6085)
-
▼
setembro
(536)
- Cheio de moral
- Escândalo do abafa-dossiê
- Miriam Leitão Fora do debate
- MERVAL PEREIRA - A Bolsa e a vida
- CELSO MING
- Opção pela decência
- DORA KRAMER
- Mexicanização pós-eleitoral GESNER OLIVEIRA
- CLÓVIS ROSSI O pântano vai à TV
- Os dois pólos
- Véspera Por Reinaldo Azevedo
- Nova York quer proibir gordura trans
- Análise genética no combate ao câncer de mama
- E agora, coronel?
- VEJA ENTREVISTA Greg Behrendt
- Diogo Mainardi Um golpista sem farda
- André Petry Vem aí um massacre?
- Roberto Pompeu de Toledo Nem dá para acreditar
- Lya Luft Perfil de um líder
- Esse bicho exótico ia alçar vôo...
- O peso do Estado
- Os presídios se tornaram "business-centers" do crime
- Os sobreviventes da burocracia
- O X da questão
- Tensão e dinheiro na chegada
- Notas de Reinaldo Azevedo sobre canalhice M T Bast...
- Dossiê- Finalmente, as fotos
- Carta para o Chico Buarque
- A eterna lição de Garrincha
- A exemplo de Genoino, Okamotto faz visita ao terce...
- Celso Ming - Ninhada magra
- Clóvis Rossi - O perfeito mordomo (ou quase)
- Míriam Leitão - Crescimento murcho
- Merval Pereira - A Bolsa e a vida
- Luiz Garcia - Sol no domingo
- Eliane Cantanhede - Aposta de risco
- Dora Kramer - Operação conta-gotas
- Você pagava o salário de Hamilton
- Cora Ronai A mão e o Lula
- VEJA on-line: ESCÂNDALOS DO GOVERNO LULA
- Lula na ONU e a mentira
- Míriam Leitão - Fim do ciclo?
- Merval Pereira - Assistencialismo
- Retórica grand-guignolesca
- Os chineses estão rindo da gente
- Presidente pode perder 2º mandato por conta do dossiê
- Impeachment pode voltar a ser analisado, diz Busato
- Especialistas duvidam de saque tão alto de dólares
- Dora Kramer - As sombras da dúvida
- Celso Ming - Sem estouro de bolha
- Suspense
- É preciso debater
- Coronelismo "muderno"
- A vez do "Fora imprensa!"
- Clóvis Rossi - As duas abominações
- Eliane Cantanhede - Segundo turno é possível
- Freud e a mala Por Reinaldo Azevedo
- Lula e a perda do segundo mandato - se houver
- Todos os meninos do presidente Guilherme Fiuza
- A Vale e as viúvas
- LIÇÕES GAÚCHAS
- LULA CULPA MAIS UMA VEZ O PT
- OAB Aviso a Lula
- Lula não perdoa, mata...
- Míriam Leitão - Mal na lista
- Merval Pereira - 'Siga o dinheiro'
- Élio Gaspari - Doutor Ulysses, velai por Nosso Guia
- Dora Kramer - Vexame internacional
- Celso Ming - Rebaixamento
- Segundo turno no primeiro- Sergio Costa
- O direito de saber
- Fernando Rodrigues O risco do empate tecnico
- Clóvis Rossi - Nem os áulicos agüentam
- A chapa esquentou (por Lucia Hippolito)
- O petróleo ameaça Chávez
- Lula sabia?
- Golpe fantasioso
- Crise de nervos
- Míriam Leitão - Os conspiradores
- Merval Pereira - Voto estratégico
- "Isso não é Cristo, isso é o demônio", diz FHC sob...
- Luiz Garcia - Outra turma
- Eliane Cantanhede - Uma legião de traidores
- Dora Kramer - Palavras ao vento e homens ao mar
- Clóvis Rossi - A ceia de Lula
- Celso Ming - Abaixo dos 3%
- AUGUSTO NUNES Os farsantes vão à ONU
- Vigilância democrática
- Lá se vai mais uma cabeça - a de Berzoini
- Pérola de um raciocínio tortuoso
- PF apura nova reunião com petistas
- Conveniência do segundo turno
- Entendendo a mensagem de Bento XVI
- Fernando Rodrigues - Os detalhes finais da campanha
- Dossiê deve derrubar mais um
- A coisa errada, na frente de muita gente
- Churrasqueiro assumiu dívida de filha de Lula
- CHARGE
- O "Fora Lula" e quem são os golpistas
- Fernando Gabeira:Notas sobre uma semana punk
-
▼
setembro
(536)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA