Franquias do crime
Acabar com a escola de banditismo nos presídios é o desafio em 2007
Fábio Portela
Quem acredita que o avanço da facção criminosa conhecida como Primeiro Comando da Capital (PCC) é um problema exclusivo do estado de São Paulo está perigosamente enganado. Um levantamento feito por VEJA com governos estaduais e o Ministério Público revela que o PCC já fincou sua bandeira em pelo menos outros cinco estados brasileiros. Sem alarde, o grupo criminoso liderado por Marcos Camacho, o Marcola, está nacionalizando suas operações. Além dos 15.000 filiados que tem em São Paulo, o PCC já "exportou", para outras unidades da federação, 500 integrantes – levando-se em conta apenas aqueles identificados pela polícia. A missão essencial desses "embaixadores do crime" é exportar o modelo paulista de dominação de presídios, baseado em um rígido sistema de hierarquia, tendo como objetivo final a expansão de seu principal negócio: o tráfico de drogas. A tática da organização segue a mais primitiva lógica empresarial: quanto maior o mercado de atuação, maior o lucro. "O PCC está caminhando para se tornar uma grande franchising nacional do crime organizado", diz o promotor Mauro Renner, que coordena o Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas, do Ministério Público. "A idéia de seus líderes é montar uma rede de comunicação e atuação em todo o país, usando os presídios como base", afirma.
As principais subsedes do PCC estão hoje em Mato Grosso do Sul e no Paraná. São dois estados estratégicos, sobretudo por fazer fronteira com o Paraguai, país que é o principal fornecedor de armas e drogas para o bando. "Depois de São Paulo, somos o estado com o maior número de integrantes do PCC", diz Luiz Carlos Telles, diretor de Administração Penitenciária de Mato Grosso do Sul. Segundo ele, 300 criminosos do PCC se aliaram a facções originárias do estado, como o Primeiro Comando de Mato Grosso do Sul, e hoje controlam boa parte do tráfico de drogas dentro e fora dos presídios. O PCC também se estabeleceu no Paraná. "Após a megarrebelião de 2001, o governo de São Paulo transferiu líderes do PCC para outros estados. A intenção era desmobilizá-los, mas ocorreu o contrário: eles criaram várias células da facção pelo Brasil", diz Luiz Fernando Delazari, secretário de Segurança Pública do estado. A atividade da facção fora dos presídios pode ser medida pelo número de criminosos pertencentes à organização que a polícia paranaense prendeu no estado: mais de 100, só neste ano. A célula do PCC no Paraná está tão fortalecida que havia sido escalada para ecoar no estado a onda de ataques a prédios públicos lançada em São Paulo em maio pelo grupo de Marcola. A violência foi evitada graças à interceptação de uma conversa telefônica, pela polícia do Paraná, em que líderes do bando falavam sobre a ação. De posse da informação, os investigadores conseguiram conter a investida.
Dirceu Portugal/AE |
A base do PCC no Sul: em maio, detentos do Paraná fizeram rebeliões sob a bandeira da facção paulista |
O PCC também está atento a novas formas de expansão. No Espírito Santo, por exemplo, começa a aproximar-se de alguns dos doze pequenos grupos já existentes no submundo dos presídios, que, juntos, comandam mais de 4.000 detentos. Os contatos entre presos paulistas e capixabas são feitos por telefone. O mesmo ocorre nas penitenciárias de Mato Grosso. "É cada vez mais comum flagrarmos conversas telefônicas entre nossos detentos e criminosos presos em São Paulo. As ligações são rotineiras, e muitos já se dizem integrantes do PCC", afirma Célio Wilson de Oliveira, secretário de Justiça de Mato Grosso.
O desafio imposto pelas facções criminosas, no entanto, vai além do PCC. Em muitos locais onde a quadrilha paulista não está instalada, grupos menores aplicam seu modelo organizacional. "Há três anos alguém poderia questionar se o crime estava se organizando nas cadeias. Hoje, é óbvio que isso ocorre: todas as organizações criminosas em ação no país surgiram dentro do sistema penitenciário", diz o promotor Mauro Renner. Muitos governadores, no entanto, se recusam a admitir que grupos articulados atuem em seus presídios. "Esses estados correm o risco de incidir no mesmo erro de São Paulo: passar anos negando a existência das facções e só se dar conta do problema quando já for tarde demais", diz o promotor paulista José Reinaldo Guimarães Carneiro, do Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco).
Valdemir Rezende/Correio do Estado |
O Primeiro Comando de Mato Grosso do Sul (PCMS): inspirado no PCC paulista |
As brechas que permitem o surgimento dessas facções no ambiente prisional são as mesmas em todo o país: a superlotação das cadeias e a ausência do controle do Estado dentro dos presídios. Na prática, quem define as regras de disciplina são os próprios detentos. Quando um preso põe os pés em uma cadeia brasileira pela primeira vez, passa a viver sob o regulamento estabelecido pelos bandidos que já estão lá. A extorsão é a regra. Os presos pagam para ocupar uma cela, para conseguir uma alimentação razoável e, muitas vezes, apenas para continuar vivos. A corrupção de agentes penitenciários também engrossa o caldo de cultura que sustenta o poder dessas gangues: com a anuência de funcionários, a cocaína e a maconha são comercializadas em todos os presídios do Brasil. Vender drogas na cadeia é lucrativo, seguro e consolida a liderança do chefe do tráfico sobre os outros detentos. Para que o líder passe a organizar ações criminosas além dos muros da prisão, é só uma questão de tempo. Não se pode esquecer que o PCC foi fundado em 1993, mas suas ações mais ousadas ocorreram cerca de dez anos depois.
As pequenas facções esparramadas pelo país estão passando por um perigoso processo de gestação. Para evitar que a próxima década assista a uma dezena de PCCs operando no país, é imperioso que o governo federal assuma a sua responsabilidade no combate às facções que atuam nos presídios. As providências necessárias são mais do que conhecidas, embora não sejam aplicadas: aumentar o número de vagas no sistema penitenciário, isolar – de verdade – os líderes das facções, cortar a comunicação entre os presos comuns via telefone celular e investir em um grupo de inteligência que monitore os criminosos mais perigosos nas cadeias, assim como seus contatos fora delas – advogados incluídos. "O sistema penitenciário está falido. Hoje, quando o Estado prende alguém, está apenas fabricando um novo militante para as facções organizadas", diz o promotor paulista Roberto Porto. Interromper esse ciclo e retomar o controle dos presídios é o maior desafio na área de segurança pública a partir de 2007.