Desova
Celso Ming, celso.ming@grupoestado.com.br
Nas últimas semanas, o mercado internacional passou a assistir à derrubada dos preços internacionais das matérias-primas.
Desde meados de julho, os preços do petróleo caíram 24%; os do cobre, 5%; e os do alumínio, 6%. O gráfico ao lado mostra a trajetória do Índice CRB (cujo nome e sobrenome é Commodity Research Bureau), um dos mais respeitados medidores da categoria.
Como, além de certo desaquecimento do sistema produtivo, não há nada especialmente diferente na economia mundial, convém examinar as causas desse tombo e seu impacto sobre a economia brasileira, tradicional exportadora de matérias-primas.
Há alguns anos, o fator-chave para entender o comportamento do mercado de matérias-primas é o rápido crescimento econômico de alguns gigantes asiáticos, como China, Índia e Coréia do Sul, países que contam com abundância de mão-de-obra, com muito capital, mas que são carentes de matérias-primas.
De 2001 até agora, as importações chinesas de petróleo têm crescido à proporção de 19% ao ano. As de cobre subiram 500% em dez anos.
O mercado financeiro entendeu o jogo e procurou se antecipar. As carteiras de commodities se multiplicaram no mundo. Despejaram dinheiro na formação de estoques, certas de que os chineses acabariam por beber da água assim armazenada.
Não está claro o que provocou a multiplicação das ordens de venda dos fundos de commodities. Talvez tenha sido o entendimento de que os estoques estavam altos demais ou de que as projeções sobre o desempenho da economia mundial pedissem inversão do jogo especulativo. O fato é que as ordens de venda se precipitaram e as linhas dos gráficos de preços embicaram para baixo, como gaivotas que se atiram sobre suas presas.
Os especialistas não divergem de que esteja em curso uma temporada de ajuste técnico. Os fundos encheram demais a barriga à custa da fome chinesa e agora precisam esvaziar-se. O que esses mesmos especialistas se perguntam é se não se trata de algo mais sério do que isso, de algo como um sempre temido estouro de bolha.
O que dá para dizer é que a economia mundial deverá continuar crescendo no ano que vem. Isso significa que o apetite chinês (e o de seus vizinhos) seguirá muito forte. Hoje, a economia chinesa avança a um ritmo superior a 10% ao ano. Se, algo de inteiramente fora do esperado acontecesse e o PIB chinês tivesse de enfrentar crescimento zero, ainda assim, em volume, suas compras de matérias-primas seriam equivalentes às de hoje.
É esse tipo de consideração que leva os observadores a trabalhar com a hipótese de que a atual derrubada dos preços não passa de ajuste técnico. Reflete queda da demanda (e até mesmo uma desova de posições), mas não queda internacional do consumo.
Com exceção do minério de ferro (cujas cotações são fixadas por contrato e não nas bolsas internacionais), o Brasil não é grande exportador de matérias-primas metálicas. Seu atual poder de fogo concentra-se nas commodities agrícolas (soja, açúcar, café, sucos cítricos), cujas cotações caíram bem menos, e, agora, petróleo - já que a Petrobrás se transformou em exportadora líquida de óleo cru e derivados.
É cedo para avaliar o impacto dessa queda de preços no desempenho das exportações brasileiras dos próximos meses. Em princípio, essa nova relação de preços tende a reduzir o saldo comercial (diferença entre receitas com exportações e despesas com importações) do ano que vem. Se estiver correto o diagnóstico da correção técnica, o impacto pode não ser relevante.
Em compensação, petróleo e matérias-primas mais baratas também ajudam. Começa, por exemplo, a ficar improvável o reajuste dos preços internos dos combustíveis e isso garante inflação mais baixa do que a prevista. Outra conseqüência é a de que vão desaparecendo as razões técnicas que justificavam a previsão de “maior parcimônia” do Banco Central no corte dos juros.
E, se os juros continuarem caindo, mesmo à atual dose de meio ponto porcentual por vez, a economia brasileira pode crescer mais do que está crescendo.
Entrevista:O Estado inteligente
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