Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, setembro 28, 2006

Míriam Leitão - Fim do ciclo?



Panorama Econômico
O Globo
28/9/2006

Depois de três anos de altas e recordes históricos, o ciclo de valorização das commodities começa a dar sinais de que está chegando ao seu fim. Uma série de fatores está causando essa reversão: a possibilidade de um menor crescimento da economia que mais consome no mundo, a norte-americana; a redução dos investimentos dos hedge funds em papéis de commodities; e questões setoriais de cada produto. A grande pergunta é: se o Brasil ganhou na alta, que efeito terá essa queda na nossa economia?

Hoje o equivalente a dois terços das exportações brasileiras são commodities ou "quase commodities", como minério de ferro, aço, papel, petróleo e derivados, soja e café. Assim, uma reversão nos preços internacionais deverá ter um grande impacto no próximo ano se a tendência se confirmar. Nos últimos dois anos, alguns produtores brasileiros conseguiram compensar a queda do dólar; o que vinha sustentando as exportações das commodities eram justamente os preços, que subiam muito no mercado internacional. No ano passado, por exemplo, o minério de ferro, que tem um sistema de formação de preços um pouco diferente, mas é também commodity, teve reajuste de 71%, enchendo a Vale de receita e o Brasil de divisas; em 2006, subiu 19%; no próximo ano, porém, seu preço pode chegar a cair quando for renegociado. Os gráficos abaixo mostram como subiram os preços de açúcar e petróleo, e como esses preços recordes começaram a cair. Ontem o petróleo subiu, mas o preço continua bem menor que há três meses.

O economista Fabio Silveira, da RC Consultores, acredita que, além dos fatores da economia real, hoje as análises dos investidores estão cada vez mais convergentes, e o resultado é que o efeito manada acaba sendo mais rápido e mais forte; para o bem e para o mal:

- Uma onda está se formando. Ainda não dá para dizer se os preços vão mesmo ficar baixos. Este mês está sendo o setembro negro das commodities. A economia dos Estados Unidos está aterrissando e, com o aumento dos juros, os fundos, que exageraram na compra, começam a tirar dinheiro das commodities. O preço delas, normalmente, é 75% fundamento e 25% especulação - comenta.

O grande consumidor alardeado nos últimos anos como o que empurrava o preço para cima, a China, continua dando sinais de que vai manter o crescimento, mas hoje o cenário já é outro. Além de um mundo que deve crescer menos do que se esperava, com juros mais altos, algumas commodities ainda têm razões específicas para não estar muito bem.

A soja vem passando maus bocados, e não é de hoje. Seus preços subiram muito, mas, depois, com a ferrugem asiática, problemas climáticos e do câmbio, o cultivo do grão está vivendo vários problemas no Brasil, e os preços despencam internacionalmente. O algodão também está em queda. O açúcar, que vinha muito bem, obrigado, também está vendo seu preço começar a cair. Ainda é um movimento que se inicia, mas tudo indica que estes preços ficarão mais baixos em 2007.

- O maior concorrente do Brasil no açúcar, a Índia, teve duas quebras de safra, em 2002 e 2003, e isso ajudou a elevar a cotação internacional, mas agora eles estão voltando ao mercado; está havendo a recomposição dos estoques. A produção no Brasil também está crescendo muito, este ano serão de 10% a 12% a mais. É normal que a produção de países que tiveram problemas depois se recomponha. Vai ser assim com a carne também; daqui a pouco, Europa e Argentina voltam a produzir - diz o economista.

O milho é uma das poucas commodities que estão conseguindo manter preço, e a razão é o seu uso como matéria-prima para o etanol. A utilização desse combustível tem aumentado muito nos Estados Unidos e, como Thomas Friedman escreveu em artigo publicado no GLOBO, o álcool brasileiro, feito da cana, ainda enfrenta barreiras e tarifas comerciais nos EUA. O jornalista americano admitiu que isso é "muito estúpido", mas, pelo visto, continuará assim. Portanto, lá o álcool feito a partir do milho ainda é dominante.

- Algumas commodities não-agrícolas também continuam com preço alto, como o níquel. No caso do petróleo, o medo de desabastecimento está passando e ele pode cair mais, mas vai continuar alto. O lado bom é que diminui a pressão sobre a gasolina - avalia Fábio.

O Brasil será afetado pelo fim da onda das commodities, no mínimo, por uma queda do saldo comercial e reduções do fôlego dado pela economia internacional ao país nos últimos anos.

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