Coisas da Política
26/09/2006
Augusto Nunes
augusto@jb.com.br
Os farsantes vão à ONU
O horário eleitoral do candidato Lula comunicou ao país, na noite de quinta-feira, que o presidente fizera bonito na sessão da assembléia-geral da Organização das Nações Unidas, ocorrida na véspera. O Brasil estava atônito com as mais recentes safadezas e delinqüências da quadrilha federal, mas estadistas devem pairar acima dessas miudezas, certo? E o Grande Pastor não fora a Nova York para perder tempo com bandidagens rotineiras por aqui.
Estava lá para encarnar o papel de estadista do ano. Acabou promovido a estadista da ONU por marqueteiros federais, que capricharam na montagem. Primeiro, uma voz feminina, em off, informa que as façanhas de Lula na área social "elevaram o nome do presidente no Brasil e no mundo". Corte para o orador na tribuna. Testa remoçada pelo botox, silhueta esculpida por trucagens de computador, olhar superior de quem nasceu para efígie, começa a ministrar lições à platéia multinacional.
Liberado de discorrer sobre obscenidades domésticas - churrasqueiros malandros, freuds inexplicáveis, maridos de secretárias, patrocinadores da primeira-família - explica ao Planeta, por exemplo, como acabar com a fome. Corte para o rosto-de-quem-viu-Nossa-Senhora do chanceler Celso Amorim. Em seguida, ensina o que fazer para chegar-se à paz no Oriente Médio.
Corte para os semblantes extasiados no plenário. Mais algumas frases e a aula magna termina. Então, o mestre autodidata, saído do sertão pernambucano para brilhar na ribalta internacional, é aplaudido de pé pelos delegados de quase 200 países. Um espetáculo consagrador, certo? Os telejornais de verdade avisam que não. Trata-se de uma fraude. Mais uma. A discurseira foi real. Mas o ovação não existiu: foi furtada da performance protagonizada pelo secretário-geral Kofi Annan.
Depois do pronunciamento com que começou a despedir-se do cargo, o diplomata africano provocou rugidos de entusiasmo que contrastaram pesadamente com a melancólica reação ao palavrório de Lula. As palmas endereçadas ao presidente brasileiro, poucas e protocolares, soaram afrontosamente acanhadas aos tímpanos dos publicitários federais. Que optaram pela manobra criminosa.
Lula soube da fraude, claro. Dessa e de todas as outras que obrigarão seu sucessor, agora ou em 2010, a haver-se com a herança maldita: a institucionalização da mentira como instrumento de conquista e preservação do poder. Foi mais uma dos meninos, dirá o chefe. "Afoiteza de militantes do PT", declamarão jornalistas amestrados.
"Querem impedir que um operário continue no poder", mentiu Lula, que não é operário há 30 anos. Pertence à classe média alta. E age como novo rico. "É coisa de golpistas", fingiu intrigar-se ao ver desmontada a trama contra as candidaturas de José Serra e Geraldo Alckmin. Os golpistas estão na copa, na cozinha e no campinho de futebol do presidente.
"Essa tramóia só interessa a quem está perdendo", vem repetindo Lula. "Não é o meu caso". Em São Paulo, é: o candidato do PT está atrás de Alckmin em todas as pesquisas. E Serra está prestes a impor ao companheiro Aloízio Mercadante a derrota incomparável. "A Polícia Federal está apurando com a isenção e a competência de sempre", recitou no fim de semana. Falso: fossem outros os vigaristas e em 48 horas o país teria sido apresentado às origens do dinheiro sujo.
Investigações demoram mais quando envolvem gente que rouba até ovações na ONU.