Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, setembro 06, 2006

Celso Ming - Círculo vicioso



O Estado de S. Paulo
6/9/2006

Ontem, o setor têxtil fez manifestações em cidades de 12 Estados para chamar a atençãodas autoridades para a deterioração das condições de negócio.
Foi um setor que investiu cerca de US$ 20 bilhões desde o início da década de 90, corrida para a modernização que deixou para trás a fase de sucatamento em que a indústria estava. Barateou seu produto a ponto de ter acumulado alta de preços de apenas 63,4% no período de junho de 1994 a junho de 2006, quando a inflação foi de 149,4%.
Nos anos mais recentes, manteve razoável superávit comercial (exportações mais altas do que importações), mas já não consegue repetir o desempenho. No ano passado, para exportações pouco superiores a US$ 1 bilhão, obtevesuperávit deUS$ 194,5 milhões. Mas, só nos primeiros sete meses de 2006, o déficit alcança US$ 109,8 milhões. "Estamos perdendo competitividade externa", verifica Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit), entidade que defende os interesses do setor.
Aí acontece o que já sabemos.
Os chineses não só estão chegando e tomando fatias crescentes de mercado interno. Eles vão comendo mercado externo do Brasil - eles e mais um enxame de países, entre os quais a Colômbia e os países da América Central, que têm acordo preferencial com os Estados Unidos, principal mercado do mundo, que compra perto de US$ 2 trilhões por ano.
O setor quer redução da carga tributária, acordos comerciais que dêem acesso a mercados externos e medidas que coíbam o descaminho (contrabando).
Uma das mais importantes indicações do estrago provocado pela sobrecarga tributária é, paradoxalmente, a menor carga tributária. Qualquer empreendimento tem dois regimes de tributação: o normal e o sistema Simples. Pelo normal, uma empresa têxtil recolhe entre impostos e contribuições de 35% a 40% sobre o preço final do produto. Pelo regime Simples, paga cerca de 12%. O resultado é que o setor sofre da síndrome de Peter Pan: não quer crescer porque, se crescer, cai no regime de tributação normal. O empresário prefere ter cinco ou seis empresas nanicas a uma só de médio ou grande porte. Nessas condições, perde escala e outras condições de competitividade. "Sob tributação normal uma calça jeans paga 40% de impostos" - queixa-se Pimentel.
Indício de que o contrabando é brabo está no gráfico acima.
Em 2005, os dados oficiais dão conta de que o Brasil importou da China 19,6 milhões de toneladas de vestuário, tecidos planos e malhas. As estatísticas da China mostram que exportou 31,7 milhões. O setor quer mais rigor nos procedimentos aduaneiros.
A falta de acesso aos mercados é resultado da política do Itamaraty que se concentrou na distribuição de afagos a africanos e sul-americanos (que importam pouco) e descuidou dos mercados que realmente contam - Estados Unidos e Europa. O governo Lula se orgulha de ter esfriado o projeto da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), que daria acesso preferencial ao mercado americano. E, por não terem mais de fazer concessões, os europeususaram como pretexto o fracasso das negociações da Alca para congelar as negociações de um acordo com o Mercosul.
O mais importante aí não são as reivindicações nem eventuais compensações que o governo se dispuser a conceder. O mais importante é a precariedade das condições gerais de produção e comércio que começaram a aparecer não só no setor têxtil, mas também no resto da produção depois que o dólar escorregou no câmbio interno. Infra-estrutura cara, juros na lua, sobrecarga tributária, Justiça ineficiente e lenta - enfim, todo o enorme custo Brasil vinha conseguindo ser compensadopor um câmbio sempre generoso para o produtor.
Agora que não dá para reverter o câmbio, a precariedade começou a aparecer e a apertar.
Esse infernal custo Brasil tem uma causa principal: a gastança do setor público que eleva a dívida (e os juros); que cobra os impostos do olho da cara, que pouco deixam para investimento; que impedem o crescimento e o avanço do consumo; que seguram as importações; que derrubam o dólar no câmbio interno - e não é preciso acrescentar mais nada para fechar o círculo vicioso.

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