Entrevista:O Estado inteligente

sábado, setembro 30, 2006

MERVAL PEREIRA - A Bolsa e a vida

O economista José Marcio Camargo, da PUC-RJ e da consultoria Tendências, foi o precursor da idéia do Bolsa Escola, em artigo que escreveu em 1991, e da unificação dos programas sociais que gerou o Bolsa Família, proposta sua ainda na gestão de Fernando Henrique. Ele é direto quanto aos objetivos do programa: “Ele não é assistencialista se a ida à escola for cobrada. Na verdade, é um programa de investimento no futuro”. José Marcio diz que “pobreza é um problema de geração. Você não acaba com a pobreza em uma geração, mas investindo na criança que vai ganhar mais na geração seguinte. A porta de saída é melhorar o ensino fundamental e básico”. O Bolsa Família parte do pressuposto, segundo a concepção de José Marcio Camargo, de que a taxa de aprendizado das pessoas atinge seu ponto mais alto aos sete anos de idade, e a partir daí começa a cair rapidamente.

Por outro lado, “o custo de oportunidade para uma família pobre deixar uma criança na escola é extremamente alto, por que salário que uma criança consegue receber no mercado de trabalho é muito alto comparado com a renda do pai, se for uma pessoa pouco qualificada. Tirar essa criança do mercado de trabalho significa uma queda de renda para a família muito elevada”.

Se o governo deixar por conta da família pobre investir na educação fundamental da criança, ela vai investir menos do que o socialmente ótimo, lembra o economista da PUC, para reafirmar que “é socialmente ótimo subsidiar essa criança”.

E como vai o acompanhamento das condicionalidades do Bolsa Família? Pelo relatório do próprio Ministério, apenas 64,7% dos alunos inscritos no programa têm a freqüência acompanhada, em 90% das escolas do país. Não houve muito avanço, pois em 2005 esse número era de 61%.

Desses, 96% estão cumprindo as metas. Outra condicionalidade, cumprir os cuidados básicos em saúde, como vacinação para as crianças entre 0 e 6 anos, e a agenda pré e pós-natal para as gestantes e mães em amamentação, tem acompanhamento ainda mais precário.

Pelos dados do último semestre, apenas 38% das famílias eram acompanhadas, sendo que 99% delas cumpre as exigências. Rosani Cunha, secretária nacional de renda e cidadania do Ministério do Desenvolvimento Social, tem uma visão menos pragmática e mais idealista do programa.

Ela diz que além da idéia de que aumentar a escolaridade das crianças pode contribuir para que a geração seguinte tenha uma vida diferenciada, “há objetivos que quase nunca são falados e que são muito importantes, como o conceito de que as condicionalidades também são um compromisso do poder público de ir atrás dessas famílias. Mais do que informar ao sistema de que uma criança não está vacinada, o importante é que você vai vacinar essa criança”.

O sistema de informática que está sendo instalado, com falhas tecnológicas ainda sendo corrigidas, pretende possibilitar um o acompanhamento individual da criança. Um dos principais objetivos seria “identificar o motivo de não ir à escola, o que demanda do poder público um acompanhamento individualizado a essas crianças ainda mais excluídas”.

Os motivos são vários, entre gravidez precoce, mendicância, negligência dos pais e exploração sexual.

Os últimos registros informam que, num universo de mais de 11 milhões de famílias, apenas 135 mil cadastrados tiveram esse tipo de problema, e 157 mil famílias não cumpriram as condicionalidades ou a de saúde ou de educação, e estão sendo advertidas. Esse número reduzido de não cumprimento — menos de 2% do universo total —, indica que o acompanhamento não está sendo feito de maneira adequada.

Mas Rosani Cunha argumenta que houve um avanço muito grande, pois no início de 2003, apenas 10% das escolas eram monitoradas, e apenas 6% das famílias incluídas no programas eram acompanhadas nas questões de saúde em 2005.

Uma das razões da falta de controle é a ampliação maciça do programa, que entre 2005 e este ano simplesmente dobrou o número de cadastrados.

Mas Rosani Cunha vê o não cumprimento das condicionalidades mais como “um alerta sobre uma família de maior risco”.

Ela rebate a idéia de que esteja aumentando o número de filhos nas famílias pobres devido ao pagamento adicional de R$ 15 por criança até 15 anos, num total máximo de três por família. Outra crítica que ela contesta é a de que o programa estimula o beneficiário a não trabalhar.

Segundo ela, é o trabalho precário, de exploração, que deixa de ser feito.

Para o economista José Marcio Camargo, do ponto de vista do programa, o fato de o beneficiário receber o dinheiro e não trabalhar mais “não faz a menor diferença, se o filho dele estiver estudando. A produtividade desse adulto hoje é muito pequena, e o que você perde é muito pouco em termos de PIB. O que é importante é que a criança seja mais produtiva quando virar adulta”.

A partir deste ano, foi criado pelo Ministério do Desenvolvimento Social um indicador para a remuneração dos municípios, que cuidam da atualização cadastral, da qualidade do cadastro e das informações sobre as condicionalidades de saúde e educação.

Desde abril os prefeitos recebem R$ 2,50 por mês por cada família do programa que esteja em seu território.

Segundo a secretária Rosani Cunha, cada município tem uma estimativa máxima de famílias, com base em cruzamentos do PNAD, e por isso não é possível que os prefeitos tentem cadastrar mais famílias para ganhar mais dinheiro.

De qualquer maneira, a antecipação das metas deste ano, com a proximidade das eleições, deve ter dado um bom dinheiro para os prefeitos.

Os pagamentos destinados às “transferências de renda com condicionalidades” cresceram 56% em julho.

O valor gasto em julho foi 73% maior que a média orçamentária do programa nos últimos seis meses.

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