O Globo |
27/9/2006 |
Certas frases entram para a História sem que nunca tenham sido pronunciadas, como a famosa "Play it again, Sam" ("Toque novamente, Sam"), que nunca foi dita nem por Rick Blaine (Humphrey Bogart) nem por Ilsa Lund (Ingrid Bergman), mas pelos irmãos Marx numa comédia sobre o filme. Também a emblemática frase "Follow the money" ("Siga o dinheiro") nunca foi dita por Marc Felt, o vice-diretor do FBI que ficou famoso como o informante Deep Throat do Watergate, para os repórteres do "Washington Post" Bob Woodward e Carl Bernestein. Foi inventada pelo diretor do filme, Alan J. Pakula, mas entrou para a história do jornalismo. Mas, assim como em Watergate, a orientação de "seguir o dinheiro" cabe perfeitamente nos dias de hoje na crônica política-policial brasileira. Apenas o surgimento de dinheiro vivo "não contabilizado" com membros da campanha pela reeleição de Lula, inclusive dólares, por si só caracteriza uma transgressão legal que se abate diretamente sobre o candidato. Não adianta Lula dizer que não sabia de nada, pois mudança recente na legislação eleitoral, provocada exatamente pelos escândalos do mensalão, colocou sobre os ombros do candidato a responsabilidade pelo uso de caixa dois na campanha, o que antes era da conta apenas do tesoureiro. Portanto, a investigação judicial aberta pela Justiça Eleitoral para apurar o caso da compra do suposto dossiê contra tucanos carrega consigo uma carga explosiva, mesmo que só venha a ser concluída no fim deste ano ou início do próximo. Mesmo reeleito Lula, corremos o risco de termos um presidente atingido pela lei das inelegibilidades, tendo o registro de sua chapa cassado. Há nessa clara manobra da PF e do Ministério da Fazenda, através do Coaf, de atrasar a revelação da origem do dinheiro, indício claro de que essa origem é perigosa para o governo e, além disso, um risco calculado. Se Lula for reeleito no primeiro turno, o que continua sendo hipótese provável, a revelação incômoda pode não ter a força política para tirar do cargo o presidente reeleito com votação expressiva. Parece ser a isso a que se refere o ministro Tarso Genro quando sugere "golpismo" por parte das oposições e da elite. O cumprimento da lei se tornaria uma tentativa de golpe, e a transgressão da lei seria "perdoada" pelo povo nas urnas. E o que dizer dos dólares encontrados com os petistas compradores de dossiê? Comprovado que tenham vindo do exterior, mais um crime eleitoral estará consignado. Não é a primeira vez que o PT se vê envolvido em transações com dinheiro estrangeiro, a começar pela confissão do publicitário Duda Mendonça de que recebeu pagamento pelo trabalho na campanha eleitoral de 2002 num paraíso fiscal, a mando do lobista Marcos Valério. A denúncia de que dinheiro de Cuba financiou a campanha do PT em 2002, que surgiu durante a crise do mensalão, é verossímil, embora não pareça razoável que os dólares tivessem vindo embalados em caixas de rum e uísque. Também a contribuição das Farcs para a campanha petista de 2002 já foi motivo de investigação. Anteriormente, já havia denúncias de que dinheiro da Líbia de Muamar Khadafi, de organizações internacionais, especialmente alemãs, e da Organização para Libertação da Palestina (OLP) irrigavam os cofres petistas. Quando Lula foi à Líbia em 2005 e, levantando os braços de Khadafi, disse que nunca esquecia seus amigos, muita gente achou que estava agradecendo, em público, antigas doações. O uso de caixa dois na campanha de 2002 não autorizaria o processo de impeachment, pois se Lula na época da campanha não era presidente, não poderia praticar crime de responsabilidade. O artigo 86 da Constituição determina que "o presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções". Mas agora, como presidente disputando a reeleição, a situação mudaria de figura. Como Lula vive dizendo que não sabe quando é candidato e quando é presidente, teríamos uma batalha legal para definir as responsabilidades. Claudio Considera, ex-secretário de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda (1999/2002) e professor de economia da UFF, escreve para contestar a metodologia usada pela FGV no estudo de redução da desigualdade. Segundo ele, não é aconselhável se fazer diferença percentual de percentagens. "O correto é reduzir um percentual de outro e dizer que a diferença é de tantos pontos de percentagem. Mas isso interessava a eles, pois assim fazendo a percentagem de Lula fica maior que a de FH. Explico: se tomarmos o período que eles citam de FH (1993-95), o percentual de FH, 18,47, fica menor que o de Lula (2003-2005), que é de 19,18. Em pontos de percentagem, o diferencial é melhor para FH (-6,52) que para Lula (-5,4). Outro problema na divulgação da FGV é que os pesquisadores omitem que, quando Lula iniciou o governo, a miséria era de 26,72 (2002); e aumentou para 28,17 em 2003, primeiro ano do governo. Logo, o sucesso de Lula tem que comparar a percentagem de 2005 (22,77) com o número de 2002 (26,72); nesse caso, a diferença é de 3,95 pontos de percentagem (22,77 - 26,72), ou, usando a forma errada que a FGV anuncia, de -14,78%, e não os 5,4 pontos de percentagem (22,77 - 28,17), ou como a FGV anuncia -19,18%. Portanto, o sucesso de Lula (-14,78%) é menor que o de FH de 1993 a 1995 (-18,47%), para ficarmos com a metodologia de anúncio da FGV, de que não gosto. Indo além, durante todo o período FH (Fazenda + presidente), a redução da miséria foi de 8,59 pontos de percentagem e o de Lula (até agora) de 3,95 pontos de percentagem". |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, setembro 27, 2006
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