Uma das mais mordazes jornalistas políticas do mundo, italiana que morreu dia 13 sabia como ninguém desarmar entrevistados
Margaret Talbot
'Ontem, fiquei histérica', disse-me a jornalista e romancista italiana Oriana Fallaci, que morreu no dia 13 de setembro, referindo-se ao dono de um cachorro e as liberdades que permitia que seu animal tomasse na frente da casa dela em Upper East Side. 'Não tenho mais energia para ficar com tanta raiva como antes', afirmou. E lembro-me do que o jornalista Robert Scheer falou sobre ela, depois de entrevistá-la para a Playboy, em 1981: 'Pela primeira vez, senti pena de gente como Khomeini, Kadafi, o xá do Irã e Kissinger - pessoas que ela disse ter entrevistado 'com muita raiva'.' Por duas décadas, de meados dos anos 60 até metade dos anos 80, Oriana Fallaci foi uma das mais mordazes entrevistadoras políticas do mundo.
Entre seus entrevistados, Yasser Arafat, Golda Meir, Indira Gandhi, Haile Selassie, Deng Xiaoping, Henry Kissinger. Seu estilo de entrevistar era perturbador, de uma agressividade estudada, freqüentemente desarmando seus entrevistados com perguntas sobre a morte, Deus, compaixão, e mostrava uma inteligência astuta, sinuosa. Não atrapalhava o fato de ser pequena e bonita, com cabelo liso, acetinado, com melancólicos olhos de um azul acinzentado, acentuados pelo delineador, a voz rouca de cigarro e um adorável sotaque italiano.
O jornalismo de Oriana Fallaci, no início dirigido para a revista italiana L' Europeo, estava impregnado de um 'mítico espírito político maligno', como descreveu certa vez a escritora Vivian Gornick. E como a própria Oriana explicou: 'Seja um soberano despótico ou um presidente eleito, considero o poder um fenômeno desumano e odioso.' A entrevista feita por ela com o aiatolá Khomeini, publicada pelo The Times em 7 de outubro de 1979, logo depois da revolução iraniana, foi o exemplo mais estimulante do seu método pugilístico. Oriana esperou dez dias até ser recebida e desencadeou uma avalanche de perguntas sobre o fechamento dos jornais de oposição, o tratamento dado à minoria curda do Irã e as execuções sumárias realizadas pelo novo regime. Khomeini defendeu essas práticas e, ofendido, deixou-a sozinha. Oriana, que esperou 24 horas para encontrá-lo novamente e concluir a entrevista, lembrou ter achado Khomeini uma pessoa inteligente e o velho mais bonito que já tinha visto. 'Parecia o Moisés de Michelangelo.'
Na sua opinião, hoje o mundo ocidental corre o risco de ser engolido pelo Islã radical. Depois de 11 de setembro de 2001 ela escreveu três livros, breves e raivosos, onde desenvolveu esse argumento: A Raiva e o Orgulho, A Força da Razão e O Apocalipse. Para ela, a imigração muçulmana está transformando a Europa numa 'colônia do Islã'.
'Invadir, conquistar e subjugar é a única arte em que os filhos de Alá sempre se excederam.' Segundo Oriana, os imigrantes muçulmanos - com burcas, xador, escolas separadas - não têm nenhum desejo de assimilação. A retórica dessa trilogia de Oriana é propositalmente exagerada e quase sempre ofensiva. Por exemplo, no primeiro volume, ela afirma que os muçulmanos 'procriam como ratos'; no segundo, diz que tal declaração foi um 'pouco cruel', contudo 'indiscutivelmente correta'.
Esses livros colocaram Oriana em uma posição complicada. Em 2003 o jornal italiano de esquerda La Repubblica tachou-a de 'ignorantíssima'. Depois que o jornal italiano Corriere della Sera publicou seu longo artigo, transformado no livro A Raiva e o Orgulho, o La Reppublica divulgou resposta de Umberto Eco, que não mencionou Oriana, mas denunciou o chauvinismo cultural e apelou para a tolerância. Porém, os recentes livros dela também a tornaram uma figura amada de muitos europeus. Alguns intelectuais da Europa reconheceram o mérito dela de oferecer uma voz clara e irada para as pessoas que estavam atemorizadas diante do desafio de assimilar os imigrantes islâmicos.
'Querida', ela grunhiu no telefone a primeira vez que conversamos, 'nunca dou entrevistas.' Naõ era verdade. Durante anos ela concedeu muitas entrevistas. Quando a visitei em abril, achei-a volúvel e dramática, capaz de se atropelar ao ilustrar um argumento e gritar ao sentir que conseguia corroborá-lo. A casa de Oriana em Nova York era do século 19, de arenito pardo, pintada de branco com um jardim na parte de trás. Ela ansiava por uma casa assim desde a infância; jovem na Itália durante a Segunda Guerra Mundial, havia encontrado uma revista num pacote lançado por pilotos militares americanos e se apaixonou por um ensaio com fotos de residências americanas.
Visitei Oriana um dia antes da eleição italiana, quando o primeiro-ministro Silvio Berlusconi foi derrotado pelo candidato de centro-esquerda Romano Prodi. Porém, para ela, Berlusconi e Prodi eram 'dois malditos idiotas'. 'Por que as pessoas se humilham indo votar? Eu não voto não. Porque tenho dignidade. Se, num determinado momento, tampasse meu nariz e votasse num deles, eu mesma cuspiria no meu rosto.'
REBELDIA
Oriana nasceu em Florença em 1922 em uma família com longa história de rebeldia. Sua mãe, Tosca, era filha órfã de um anarquista. Oriana era uma leitora voraz quando criança e seu autor favorito era Jack London. Os contos dele, onde narra atos de valentia diante da natureza selvagem, foram inspiração para tornar-se escritora. Ela descreveu seu pai, Edoardo, um artesão que se tornou líder do movimento antifascista na Toscana, como um homem doce. Seus pais apreciavam a coragem e a valentia das três filhas. Adolescente, trabalhou clandestinamente para o movimento antifascista. Depois que a Itália se rendeu, em setembro de 1943, e os prisioneiros americanos e britânicos começaram a fugir dos campos de prisioneiros, uma das suas tarefas era ajudá-los a encontrar refúgio seguro.
Para Oriana a ameaça do fundamentalismo islâmico é fazer renascer o fascismo que ela e suas irmãs cresceram combatendo. 'Estou convencida de que, em sua essência, a situação é politicamente a mesma vivida em 1938, no caso do pacto de Munique, quando Inglaterra e França não entenderam nada. Com os muçulmanos, fazemos a mesma coisa.' Ela explicou sua tese: 'Veja os muçulmanos na Europa. Rejeitam nossa cultura e tentam nos impor a sua cultura, a sua pretensa cultura... O islamismo é um novo nazi-fascismo.' Oriana recusava-se a reconhecer as limitações desta metáfora - ou seja, o fato de que a imigração muçulmana não é similar a uma anexação por um outro Estado. E embora os países europeus devessem, de fato, não tolerar determinadas práticas culturais, como a poligamia, crimes de honra e ensinamentos anti-semitas, por exemplo, Oriana tendeu a descrever outras práticas piores dos fundamentalistas islâmicos como sendo representativas de todos os muçulmanos. Para ela, ouvir as preces muçulmanas na Toscana era algo opressivo. Porém, tais exemplos não sustentam o argumento que ela defendeu, ou seja, de que a cultura nativa da Itália entrará em colapso se os muçulmanos continuarem imigrando para o país.
Meu segundo encontro com Oriana Fallaci foi menos inflamado. Ela era uma excelente cozinheira e preparou-me um almoço. Falamos sobre o seu pesar por nunca ter tido filhos e sua longa enfermidade. Ela me surpreendeu com uma história encantadora sobre ser uma jovem escritora em Nova York nos anos 60. Na época, lembrou, teve oportunidade de entrevistar Greta Garbo, mas ficou admirada com a privacidade elegante e tenaz de Greta e não quis fazer a entrevista.
Depois de ter entrevistado Oriana, descobri dois grandes exemplos do seu jornalismo. Num espirituoso artigo escrito em 1963 sobre Federico Fellini, ela descreveu com minúcias as muitas vezes e lugares que o grande diretor a manteve esperando. Quando finalmente conseguiu encurralá-lo, a primeira coisa que lhe disse foi: 'Então, senhor Fellini, vamos nos preparar para nossa discussão e, para variar, vamos falar de Federico Fellini. Sei que é difícil para o senhor, que é tão retraído, tão reservado, tão modesto. Mas temos o dever de falar a seu respeito, para o bem da nação.' E continuou nesse mesmo estilo de conversa até que Fellini interrompeu, dizendo: 'Sua mentirosa antipática.' Em sua introdução para a entrevista, ela escreveu: 'Eu realmente gostava muito de Fellini. A partir do nosso trágico encontro, não gosto absolutamente dele. A glória é um grande peso.'
Igualmente absorvente, mas de um modo diferente, foi a narrativa em seu livro, lançado em 1969, Nada e Que Assim Seja, descrevendo fatos ocorridos em outubro de 1968 na Cidade do México, quando soldados atacaram centenas de pessoas que se manifestavam contra o governo. Oriana foi detida com um grupo de estudantes e acabou levando três tiros. 'Em guerra você às vezes tem uma chance, mas ali não tínhamos nenhuma', escreveu.
Esses trabalhos mostraram uma Oriana Fallaci no auge. As suas virtudes se destacaram com mais brilho em circunstâncias difíceis: sua coragem feroz, o desejo de dizer alguma coisa. Mas Oriana nunca me convenceu que o encontro da Europa com a imigração seria uma circunstância desse tipo. Não que isso seja importante para ela. 'Você tem que ficar velho, porque não tem nada a perder', ela me disse durante o nosso almoço. 'A gente sempre carrega uma espécie de timidez, mas agora abro bem a boca e digo: 'Dane-se, eu falo o que quero.''
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO