Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 29, 2006

A eterna lição de Garrincha

A eterna lição de Garrincha

EDITORIAL
O Estado de S. Paulo
29/9/2006

O que atrapalha são os outros, já sabia Garrincha, mas o governo atual parece não haver aprendido essa verdade simples. A bola é uma só e é preciso pensar no que farão os adversários. Daí a pergunta célebre, depois da preleção, na véspera do jogo, em 1958: já combinamos com os russos? Essa lição foi repetida, com outras palavras, pelo economista-chefe do Fórum Econômico Mundial, Augusto Lopez-Claros, ao explicar por que o Brasil perdeu nove posições, entre 2005 e 2006, na classificação de competitividade global: o País melhorou, mas menos que os outros.

Esses “outros” são numerosos países. Muitos deles são economias em desenvolvimento, empenhadas em conquistar os mercados que interessam também ao Brasil. A queda na classificação, admitiu Lopez-Claros, pode parecer estranha aos brasileiros, que percebem “uma nítida melhora nas finanças do País nos últimos anos”. Mas a lista preparada anualmente pelo Fórum resulta de uma análise comparativa de mais de uma centena de economias – 125, nessa rodada.

Quando técnicos do Fundo Monetário Internacional apontam melhoras no Brasil, acrescentou Lopez-Claros, eles comparam o País de hoje com o de ontem. Mas isso não basta, porque a comparação relevante, quando se trata do poder de competição, é com os outros, que não estão parados, nem entregues à autocomplacência.

Enquanto o ministro da Fazenda, Guido Mantega, contestava as conclusões da pesquisa, o presidente do Conselho do Movimento Brasil Competitivo, Carlos Salles, mostrava qual deve ser a atitude sensata: é preciso evitar a “reação infantil de questionar as metodologias ou de acusar o Fórum Econômico Mundial de interesses contrários aos países em desenvolvimento”. É preciso também, ressaltou Carlos Salles, analisar os dados com foco nos países que são ou podem tornar-se os concorrentes mais importantes, como China, Índia e Rússia.

O que o relatório mostra, segundo ele, é um descompasso entre a capacidade renovadora do setor privado e a do governo. O documento ressalta como principais fatores negativos, no caso do Brasil, o déficit fiscal, o endividamento público, os juros altos, o baixo crescimento econômico, a tributação excessiva, a deficiência administrativa e a corrupção.

Tudo que há de negativo, na avaliação do Brasil, está no setor público – governo e Estado. O que há de bom, como a sofisticação alcançada por vários setores produtivos, está no setor privado. Nesse item, o País ocupa a 38ª posição, bastante razoável e animadora, porque indica o potencial de transformação das empresas brasileiras.

Os países que avançaram na classificação podem ter posição pior que a do Brasil num ou noutro item, como a corrupção. Vários dos emergentes mais dinâmicos são notoriamente mais sujeitos a esse mal do que o Brasil. O próprio Lopez-Claros chamou a atenção para isso.

Há pouco mais de uma semana, os dados do Banco Mundial sobre governança mostraram que a situação brasileira, em termos de combate à corrupção, é bem melhor que a de concorrentes como a Argentina, o México, a China e a Rússia. Mas vários emergentes levam grande vantagem, quando se trata dos fundamentos macroeconômicos, da tributação, da eficiência governamental e da infra-estrutura. O crescimento econômico, importante componente da classificação elaborada pelo Fórum, depende crucialmente desses fatores.

O fato é que pouco se fez, nos últimos quatro anos, para possibilitar uma firme expansão da economia. As melhoras a que se referiu o economista-chefe do Fórum resultaram, todas ou quase todas, de reformas empreendidas na década anterior.

Tanto na área das contas públicas quanto na monetária e na cambial, os principais instrumentos hoje em uso foram forjados antes de 2003. As melhoras observadas em alguns indicadores foram possibilitadas, nos últimos anos, pelo uso desses instrumentos. De um ano para cá, houve até retrocesso em algumas áreas da política econômica. O aumento de gastos com a mera manutenção da máquina pública é o melhor exemplo. Para isso o Fundo Monetário Internacional já havia chamado a atenção. A classificação elaborada pelo Fórum apenas mostra uma conseqüência de problemas conhecidos – e da insistência do governo brasileiro em desconhecer que o mundo não pára à espera do Brasil.

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