Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 24, 2006

O PT contra a sensatez

O PT contra a sensatez

Aldo Fornazieri

Há mais de um mês se formou um consenso entre os analistas políticos: somente um fato novo, desconhecido, poderia mudar a tendência de vitória de Lula no primeiro turno das eleições. A possibilidade de um fato novo significativo, no entanto, era altamente improvável por toda a história recente de crise política e pelo eventual esgotamento do estoque denuncista da oposição.

Contra todas as tendências probabilísticas, contra a lógica da sensatez política, o fato novo aconteceu. Em face da incapacidade da oposição de produzi-lo, o próprio PT se encarregou de lançar um torpedo de alto teor explosivo contra o favoritismo de Lula de vencer a eleição no primeiro turno. Há que se concluir, antecipadamente, que a capacidade do PT de destruir-se e de prejudicar o governo parece ilimitada.

A arrogância, a falta de discernimento político e histórico, a irresponsabilidade, a ausência de um mínimo respeito republicano às leis e o aventureirismo político de alguns petistas explicam a ocorrência do improvável. Os principais envolvidos na trapalhada vêm da área sindical. Neste meio - onde há também sindicalistas corretos - nunca houve muito apreço por um comportamento adequado nas disputas. Em parte, o PT herdou velhas práticas inadequadas e não-democráticas e de usos escusos de recursos de campanhas, que vicejam no movimento sindical.

Apesar da fragilidade e da parcialidade de nossas leis e instituições democráticas, elas existem e, em parte, funcionam. Muitos petistas preferiram ignorá-las. A própria Polícia Federal, sob o governo Lula, ganhou mais autonomia e eficiência. Alguns petistas, na sua arrogância, preferiram esnobar esta conquista do próprio governo do PT e se meteram com gente investigada e monitorada. Trata-se de uma mistura de amadorismo com arrogância.

Além da permissividade ilegalista, além da aceitação imoral de que em nome da “causa” e do poder tudo é possível, o PT, na medida em que se foi tornando um partido de governo, perdeu os filtros partidários e abriu portas e janelas para que a ele se agregassem oportunistas, aventureiros e arrivistas. O imbróglio do dossiê é fruto da soma de velhas práticas sindicais com o novo aventureirismo que se adensou no PT.

Grupos de interesses adquirem autonomia dentro do partido e os mecanismos de controle centralizado não funcionam em matéria de decisões, iniciativas, recursos e políticas orientadas para o governo. Com isto, o risco de crises e de escândalos é permanente. No PT do poder, a ideologia se tornou um artigo secundário na sua função de amalgamar condutas adequadas. Na falta desta, sobrou o interesse puro e simples. Agora, quando a ideologia vem à tona, vem de forma canhestra, para justificar o injustificável. A antiga ideologia de esquerda se tornou ideologia de cobertura e de justificação, no pior sentido da palavra.

O neopetista é bem diferente do velho soldado petista de porta de fábrica e de luta social nos bairros periféricos. O velho petista continua angariando votos, mas com muita desilusão. O neopetista é aquele que fez carreira de sucesso de aparatchik no partido e nos sindicatos, é o diretor de empresas públicas, o advogado. Anda com ternos bem talhados, vive bem, diverte-se, tem bons salários e pouco conhecimento político. É uma espécie de yuppie-boss da política.

O presidente Lula chegou aonde chegou, em termos de intenções de voto, não porque principalmente é carismático, não porque principalmente o povo não sabe votar, mas porque, apesar de uma série de equívocos políticos e frustrações de expectativas, o seu governo produziu resultados positivos em várias frentes - resultados melhores que os do governo anterior. Mas Lula não teve o devido senso de proporção, recomendado pelo sociólogo Max Weber no famoso texto Política como Vocação. Ou seja, não se distanciou criticamente das coisas e dos amigos para poder julgá-los com a acuidade exigida de um governante. Os amigos, principalmente os amigos interessados, tendem a arrastar os governantes para o torvelinho das crises. Lula tinha de ter-se cercado de pessoas de confiança, mas capazes e imbuídas de espírito público, tementes às leis. E estas pessoas deveriam ter claros os seus limites, impostos pelo presidente.

Se Lula vencer as eleições e quiser governar com tranqüilidade, sem sobressaltos, e se quiser alimentar ainda a pretensão de se tornar um estadista, terá de fazer uma enorme faxina na cozinha das amizades e do governo. Terá de afastar muita gente da velha companheirada. Se fizeram as trapalhadas que fizeram com a perspectiva de se manterem no poder por mais quatro anos, imagine-se as trapalhadas que poderão fazer sem a perspectiva de poder.

Se vencer, Lula terá de ser a autoridade forte de seu governo, juiz rigoroso de seus auxiliares. Não poderá mais ter confiança, ao menos excessiva, em subordinados e companheiros e no PT. O PT virou uma caricatura do que prometia ser. Lula terá de fazer uma reforma política capaz de projetar uma mudança drástica nos usos e costumes políticos do País.

Os partidos políticos, com programas e projetos, deverão sair desta reforma sobrepostos aos indivíduos, aos deputados, aos grupos de interesses, aos oportunistas, aos aventureiros e às bancadas disto e daquilo, que grassam na política brasileira. Os partidos precisam ser sujeitos de responsabilidade pelas negociações, pelos acordos e pelas decisões políticas. E precisam ser sujeitos de responsabilidade pelos atos de seus filiados e integrantes. Sem uma reforma política abrangente e moralizadora, as crises continuarão se sucedendo governo após governo.

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