Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 24, 2006

Entrevista - JABOR



Compulsão, narcisismo, atos falhos...


São muitos os elementos freudianos da atual crise política, avalia Jabor. E eles recheiam o sarapatel ideológico do PT que é capaz de tudo para se manter no poder

Andréa Barros e Laura Greenhalgh

Freud, Gedimar, Valdebran, Lorenzetti. Nos últimos dias, a opinião pública foi apresentada a uma galeria de petistas de nomes exóticos. “É elenco de apoio”, cutuca o mais estridente comentarista político do País. “Foi-se o elenco principal, agora os figurantes querem aparecer na Globo”. Com estocadas desse tipo, o carioca Arnaldo Jabor, 65 anos, jornalista, escritor e cineasta, desbasta nesta entrevista ao Aliás o mais recente imbróglio do PT rumo a um possível segundo mandato de Lula. Analisa as presepadas da compra de um dossiê contra os tucanos com a verve característica de seus comentários na televisão e no rádio. A fala é inflamada, a adjetivação, abundante, e a preocupação com a clareza, uma encucação. “Texto escrito não tem som, ainda bem. Os leitores não precisam me escutar”, brinca Jabor, também lido às terças-feiras em O Estado.

Está tomado pela situação política brasileira, ainda que tenha tirado férias dos comentários - “tirei mesmo, as novas regras da Justiça eleitoral me impedem de falar o que quero”. Ao mesmo tempo, vive uma situação particularmente prazerosa. Há três semanas, seu livro Pornopolítica (Editora Objetiva), coletânea de crônicas publicadas na imprensa, encabeça a lista dos best-sellers de não-ficção. A julgar pela confusão dos últimos dias, trata-se do livro que veio a calhar. Para Jabor, contudo, ficção mesmo é o Brasil, um país onde esquerda e direita desfilam nos palanques de braços dados e onde a corrupção não só tem justificativa ideológica, mas absolvição a priori, dentro do aparelho de Estado. “É surreal”, ironiza, entre um rompante e outro de indignação.

O que é pornopolítica?

Para definir é preciso fazer a mesma distinção entre erotismo e pornografia. No erotismo, você leva em consideração o desejo, o afeto, o belo. Você busca o prazer de forma saudável. Na pornografia, o outro é mero objeto. É algo a ser usado e descartado. Então, pornopolítica é aquela que não vislumbra o interesse público, o bem comum. É feita exclusivamente para o bem de quem a pratica. O que estamos vendo hoje? O sujeito entra na política ou para fugir da polícia, ou para ganhar imunidade ou para descolar uma grana roubando o Estado. E isso é intencional, não é causal.

De onde vêm os pornopolíticos?

Não vêm só da direita tradicional, mas da velha esquerda. O atraso não deseja a mudança, quer que tudo fique como está. Por outro lado, estamos vendo esse “progressismo” incompetente, voluntarista, arcaico, retoricamente superado. Só no Brasil ainda se insiste num socialismo imaginário que, pela sua própria impossibilidade, vai se degradando num vago populismo, numa mediocrização dos ideais. Sim, porque Marx foi um gênio. O socialismo foi uma importante elaboração teórica, mas vem sendo mediocrizado por esses bispos da Pastoral da Terra. O próprio (João Pedro) Stédile falou: “Tenham filhos que vocês vão conhecer o socialismo”. Ora, isso é um papo soviético de 1924, um delírio! Então o socialismo passa a ser invocado como justificativa para a roubalheira, para predar o Estado. É o socialismo transformado em oportunismo para a sórdida prática da corrupção.

Como os escândalos da semana mexeram com você?

Inacreditável...Este Freud, o Godoy, apareceu num bom momento, porque só Freud, o Sigmund, pode explicar o que está acontecendo. Há uma compulsão à repetição do erro. E pior: a esquerda brasileira sempre repete o mesmo erro! Se olharmos para 1935, 1964, 1968, o erro básico é o voluntarismo de achar que a sociedade está submetida a um só desejo, de achar que a solução do Brasil passa pela luta de classes e pela destruição do que existe, destruição de “tudo isso que está aí”, como eles falam. Não percebem que o processo brasileiro se aperfeiçoaria se houvesse mudanças na burocracia, nas instituições, no Código Penal, no Judiciário... Se houvesse a reforma previdenciária, tributária, o enxugamento de um Estado deficitário que gasta mais do que pode e só tem 2% do orçamento anual para investir. Esse Estado falido é tratado como se fosse o salvador de tudo, como se nele houvesse uma espécie de metáfora do que seria o socialismo e a centralização do poder.

Por que os erros se repetem?

Porque a velha esquerda nutre uma descrença profunda na democracia. Faz o mesmo jogo da direita reacionária, a direita do atraso profundo. Quando você vê o Lula abraçado ao Newton Cardoso, beijando a mão do Jader Barbalho, aproximando-se de Quércia, Crivella e do que há de pior no País, conclui que existe um ideal unindo a velha esquerda e a velha direita. Essa gente acha que a democracia é uma coisa burguesa e, o que é pior, isso está entranhado na cabeça da intelectualidade brasileira como um tumor inoperável. Como disse Sérgio Buarque de Hollanda, a democracia no Brasil sempre foi um malentendido. Mas não quer dizer que deva ser jogada fora. Qual é a ideologia do PT que está no governo? É um ensopadinho. Um sarapatel de vago leninismo, misturado com um getulismo tardio, um cheiro de desenvolvimentismo, um pouco de stalinismo, um estatismo paranóico. Recusam aceitar a evidência, dolorosa ou não, de que o capitalismo está aí, de que não há outro sistema funcionando. A incapacidade de aceitar o mundo real é terrível.

Você pensava assim quando Lula chegou à Presidência?

Não votei no Lula, mas ainda acreditava no mito da esquerda quando ele ganhou. Acreditava que os petistas tinham um ideal ético. E acreditava que haveria um certo pudor em relação aos vícios tradicionais da velha direita. Tanto que defendi o Lula durante um ano. Defendi até o Zé Dirceu dizendo que talvez ele soubesse que aquele Waldomiro era malandro, mas certamente pensara que o sujeito seria útil. Enfim, imaginei que fosse algo episódico. Só que era uma estratégia montada há 25 anos! Quando surgiu o “grande herói” Roberto Jefferson, autor da maior descoberta da ciência política neste país, então vi que não era um episódio, mas uma estratégia. Desde a fundação do PT os leninistas se aproximaram do Lula, o Zé Dirceu, o Genoíno, o Gushiken, o Marco Aurélio, o Greenhalgh, o Suplicy... Lula virou o núcleo de um projeto político. E a novidade era justamente o pragmatismo, uma política sindical de resultados. Era o novo. Ganhou o atraso.

Na sua opinião, o PT mudou?

O PT é diferente do que a gente pensava, é diferente inclusive do que ele dizia que era. Houve uma racionalização ideológica: “Temos que agir como a direita age. Temos que utilizar os métodos da democracia burguesa para introduzir o socialismo no país”. Tudo assim, entre aspas, porque é o que eles acham. A crença de que os fins justificam os meios mostrou-se muito mais profunda do que imaginei. Funciona assim: os fins justificam qualquer crime, portanto, você está absolvido a priori pela ideologia. Não dá! Quando o Freud, o Valdebran e o Gedimar fazem o que fizeram, estão trabalhando por uma causa! Aliás, fico impressionado com os nomes, as caras, as pessoas não se barbeiam, não se arrumam... Há uma moda proposital, como se fosse um mal-ajambramento proletário, porque um dia todos se vestirão melhor.

A emergência de um novo escândalo muda o rumo político do País?
Já mudou. É difícil saber o que o Lula sabia e o que não sabia porque existe uma simbiose entre ele e o partido. Mas, insisto: há um esquema de corrupção ideológica, justificada e absolvida, em todo o aparelho do Estado. Só que agora o Lula está mais sozinho e vai ser difícil governar com essa desconfiança geral que se instalou. Até duas semanas atrás, o presidente tinha conseguido se esquivar dos escândalos. Apesar de toda a evidência de erros, a vitória vinha. E continuará vindo, só que a aceitação do sentimento de impunidade generalizada diminuiu. Chegamos a um ponto difícil encobrir. Quando o Berzoini cai, pálido, como vimos nas fotos, e comparamos essa imagem com aquele semblante gargalhante que exibia uma semana atrás, ou quando comparamos a truculência com que ele agia com a evidência de que estava por trás de tudo, então nos damos conta de que muita coisa mudou. O governo está tecnicamente desmoralizado. Lula vai ser eleito pela falta de entendimento da população e pela teimosia dogmática dos intelectuais, que não conseguem abrir mão de velhas categorias de análise, nem das velhas utopias. Será eleito pela ignorância e pela intelligentsia, o que é espantoso.

Como você explica o apoio de intelectuais de peso, como a filósofa Marilena Chauí e o escritor Antonio Candido?

Vou dizer uma coisa: Marilena é a pessoa mais culta do Brasil. Mas, se o Espinosa, que ela tanto estudou e sabe como ninguém, a ouvisse falar hoje, certamente iria se matar lá no céu...O que ela faz quando pensa na Ética, obra clássica do Espinosa? E o Antonio Candido? É o nosso maior pensador vivo. Eu amo o Antonio Candido! Então, só mesmo Freud. Sigmund explica tudo isso em termos teóricos e o Godoy, na prática. Freud Godoy é o exemplo concreto de um gramscianismo vulgar que existe na cabeça de muitos intelectuais brasileiros: “Tem que penetrar no poder para apodrecê-lo por dentro”. Eles não conseguem viver sem essa fé. Mesmo quando atacam o governo pela esquerda, fazem isso com velhos argumentos. Reclamam da economia quando ela foi a única base concreta que impediu que o Brasil fosse para o brejo. E o País não vai para a frente por quê? Porque não fizeram as reformas que complementariam o Plano Real. Essas pessoas não acreditam em democracia, acham que é uma conversa medíocre para enganar otários, como disse Francisco de Oliveira.

Em que contexto ele disse isso?

Falou a propósito do Serra, na campanha anterior. Disse mais ou menos o seguinte: “O Serra é agente das companhias multinacionais de remédios. E esse papo de democracia é lero-lero para enganar massas”. Eu fiquei impressionadíssimo. Tudo bem, Chico é um homem de bem, mas anda desalentado. Acha que a política não existe mais, que apenas sobrou a economia. Diz isso criticamente. E por quê? Porque só pensa em termos revolucionários. Agora é que a política vai começar. Manter a economia estabilizada, ter responsabilidade fiscal, fazer as reformas desburocratizantes, investir em crescimento, agora é a vez! Mas a velha direita não quer isso porque é patrimonialista, oligárquica, arcaica, excludente, prefere que o Brasil continue paralisado. A democracia atrapalha essa direita personalista, de origem ibérica. E também a esquerda antiga, de feitio soviético. Ambas se encontram no Planalto.

Existe uma nova esquerda?

Sim. É representada por pessoas como Fernando Henrique, José Serra, eu mesmo. Ou personalidades como (Franco) Montoro. Olha, Marx dizia o seguinte: “Eu não sou marxista”. O verdadeiro homem de esquerda está sempre se adaptando às mudanças históricas em busca do bem da sociedade, da qualidade de vida das pessoas, da Justiça. A esquerda moderna não é feita de fé, é feita de lógica.

Mas seria feita apenas de tucanos?

Não. Eu não me considero tucano, nunca fui do PSDB. Sou a favor da lógica.

O que você acha dos tucanos?

Estão perdidos, sem plataforma. O que o PSDB tem a dizer? Há bons nomes no partido, mas estão soltos. O problema é que a plataforma de uma nova esquerda, da qual faço parte, tem poucos slogans. É fácil dizer: “Abaixo a fome do povo, fome zero, dinheirinho para todos, reforma agrária urgente”. Já a esquerda moderna tem dificuldade de se expressar porque não é populista. É técnica, realista, culta. Não estou falando de Terceira Via, essa coisa inglesa meio (Anthony) Giddens. Falo de pragmatizar ideologismos, de organizar um projeto de país e buscar justiça numa sociedade objetiva. Não dá para fingir que não existe capitalismo, não dá para ficar denegrindo o agronegócio...

Onde é que você encaixa Geraldo Alckmin?

Ele foi um governador competente, fez uma série de coisas saneadoras, na trilha do Mário Covas. Mas é um político sem plataforma. E seu carisma não chega aos pés do carisma do Lula. Considero que não só o Lula é mais carismático, como é portador de uma ideologia mais fácil de divulgar do que a complexa confusão tucana de coisas cambiantes e ambivalentes. Quando falo da nova esquerda não me refiro apenas ao administrativismo tucano leve. Pode ser alguma coisa mais revolucionária, incisiva. Sabe o que faltou ao governo Fernando Henrique? Mais calor e uma plataforma mais nítida.

Pesquisas revelam que muita gente hoje vota no Lula porque come arroz melhor e compra cimento mais barato. Fora o atendimento do Bolsa Família. São políticas válidas?

Sim, embora conjunturais e passageiras. Óbvio que não sou contra. Não sou maluco, nem mau. Agora, como isso foi feito?

Aumentando em mais de 9% os gastos públicos. O que há é a utilização de dinheiro público para botar panos quentes num problema grave. Redistribuição de renda e combate à miséria só se fazem com crescimento econômico. Mas não vou condenar o pobre diabo que mora numa palafita e recebe 100 pratas por mês.
Você acha mesmo que o presidente está sozinho?

Lula não está só, está mal-acompanhado. Esteve nas mãos do chamado dirceusismo-genoínico-gushiquênico, uma ideologia nova que surgiu por aí... Talvez não tivesse noção do perigo. O fato é que acabou se livrando dos “companheiros” graças ao que aconteceu a partir das denúncias do Jefferson. Em compensação, agora está nas mãos do Barbalho, do Newtão, do Sarney, do Calheiros, dessa turma do PMDB. Estarão com ele num próximo governo. Então haverá espasmos de voluntarismo e populismo de um lado, e cooptação peemedebista do outro. Será um governo de radicalidades atávicas e novos fisiologismos. Só que o presidente acha que pode abraçar essa gente e tudo bem. É como se tivesse um direito à pureza maior que o nosso.

Lula teria tentado se desvincular do PT na campanha...

E até conseguiu! O problema é que o PT o aprisionou de novo. Tenho quase certeza de que o Lula não sabia dos detalhes sobre esse tal dossiê. Ele não é louco. Pode ganhar no primeiro turno e vai se meter numa besteira? Mas a chanchada trágica é essa: o PT se sentiu marginalizado e então resolveu agir para ajudar a reeleição. Na calada da noite, dirigentes retomaram as rédeas do processo. De um jeito burro, trapalhão, lá foram eles: “Ah, é? Vamos mostrar que a gente tem valor. Somos importantes, somos o velho PT”. E fizeram esse golpinho, essa coisa vagabundinha de querer comprar informações ridículas. O PT pôs o Lula de novo numa armadilha.

Por quê?

Porque velhos comunas têm o tumor inoperável na cabeça! Eu os conheço, já fui um deles. Esse tumor é a certeza de superioridade sobre o resto da humanidade. Eles são narcisistas, paranóicos, incultos, acham que precisam arruinar por dentro essa coisa chata chamada democracia. Isso entranha na alma, não se consegue mudar. Eles foram lá, recuperaram o Lula e o jogaram na lama outra vez. Lula estava bem, foi para Nova York, falaria na ONU... Aí os malucos o agarraram de novo.
Na volta, Lula disse algo como 'dá nisso mexer com bandido'...

Mas ele estava dizendo que bandidos são os Vedoin. Não apenas! Bandidos são essas figuras que surgem das sombras, dos porões do Planalto, do movimento sindical, dos delírios utópicos da academia.

O presidente é refém?

Não, é cúmplice. É cúmplice tentando tirar o dele da reta. Só que o sócio-cúmplice faz essa burrice e o emporcalha de novo. Lula tem um problemão pela frente, não pelas eleições, mas para governar. Isso tudo vai recrudescer depois da vitória. Vai haver pedido de impeachment, uma oposição radical, vai despertar a ira da velha direita.

Um Watergate?

Tecnicamente já houve vários Watergates no Brasil. Mas aqui não cola porque a lei não é cumprida, nem respeitada. O que nos salva é a democracia, porque a imprensa está em cima, as instituições funcionam, a Polícia Federal, mesmo dividida, trabalha firme, o Ministério Público também. Mas este é o quinto ou sexto Watergate. O caso das cartilhas é gravíssimo: pegar R$ 12 milhões, ou seja, US$ 5 milhões, para o PT distribuir? Isso dá prisão em qualquer lugar do mundo!

A partir das denúncias de mensalão e com os desdobramentos políticos disso, petistas de alta cotação caíram fora do governo ou foram escanteados: Dirceu, Delúbio, Silvio Pereira, Gushiken, depois Palocci.... Agora denúncias alcançam outros personagens: Gedimar, Valdebran, Freud, Lorenzetti...

Pode ser o elenco de apoio, afinal, os figurantes querem aparecer na Globo. Vamos pensar: qual é o PT que vai ao segundo mandato? Até agora era liderado pelo Berzoini, mas ele se sujou. Tarso Genro não sabe mais o que fazer para justificar o partido à luz do Gramsci que um dia leu. Os radicais foram para o PSOL. Os intelectuais, no fundo, não querem aporrinhação, porque encarnam o que (o filósofo José Arthur) Giannotti chama brilhantemente de “militante imaginário” - o cara fica em casa de pijama achando que faz a revolução. O PT tradicional sumiu, o PT intermediário está sumindo, o PT radical saiu antes, resta o quê? Os figurantes. É possível que, numa situação dessas, o MST tente virar o “Cipião do Lula”. É tudo o que o Stédile quer.

Num segundo mandato, Lula se aproximaria ou se afastaria do PT?
Isso é um cabo-de-guerra. Se ele for esperto como parece, vai se livrar de muitos petistas. Por outro lado, precisa deles. Olha, o Lula deve estar angustiadíssimo. Estava numa situação confortável, eleito no primeiro turno, o partido bem ou mal tinha se ajeitado, o Zé Dirceu apareceu tomando vinho e dizendo que irá voltar, o Gushiken numa certa boa. Aí vem alguém e diz: vamos azucrinar o Serra. E o Lula dançou.

O Serra poderia ser um elo entre PT e PSDB?

Claro. Uma das tragédias deste país é que a social-democracia que o Lula trouxe quando surgiu - espontânea, pragmática, sindical - e a social-democracia tucana que veio depois - mais culta, universitária e chique - nunca tenham se unido. A origem dessa tragédia é conhecida. É o insuperável embate entre a esquerda crítica e a esquerda dogmática. O ódio dos petistas contra os tucanos vem desde o início, estimulado por um senhor chamado José Dirceu, para quem o inimigo principal não é o imperialismo, não é o capitalismo, é o tucano! Ele instrumentalizou essa oposição ferrenha, inclusive contra coisas úteis para o país, como por exemplo, o Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental). O PT fez alianças até com ruralistas, com Maluf, jamais com tucanos. É o que Freud chama de “narcisismo das pequenas diferenças”, em que o sujeito não abre mão do detalhe.

E os documentos supostamente contra Serra?

Não os conheço. Falam de uma fotografia e de um vídeo no qual ele inaugura uma obra, coisa que ministro tem que fazer. Se o Serra tiver alguma culpa, não virá daí. Ele é esperto e inteligente para não cair por corrupção vagabunda.

O que você achou da carta do Fernando Henrique com críticas ao tucanato?

Inoportuna, mas não incorreta. Fernando Henrique cometeu erros como presidente, mas tem sido injustiçado. Seus feitos não foram viadutos nem pontes, mas a criação de uma consciência institucional e republicana. Ele soube contrapor a idéia do possível à da utopia. A de administração pública à da política abstrata. Valorizou a opinião pública, a noção de que o Executivo não pode tudo, de que os três poderes têm que interagir. Fernando Henrique já cumpriu seu papel. O que fez ninguém tira dele.

O ex-ministro José Dirceu tem falado em seu blog que há uma tentativa de golpe da direita. O presidente repetiu a mesma tese.

Olha aí a velhice do pensamento. O que é a direita? É Newton Cardoso e Jader Barbalho, que estão abraçados com Lula. Digamos que a direita quisesse destruí-lo. Então, ela não precisou fazer nada. Se existe uma direita golpista, não teve trabalho nesses últimos anos. Porque todos os erros foram cometidos pelos próprios donos do poder. Ora, no começo, todo mundo apoiou esse governo, era o PSDB botando panos quentes, falando em oposição construtiva e, de repente, começam a aparecer coisas. Esses petistas se suicidam como fazem os psicopatas. Zé Dirceu foi o cara mais poderoso do país, mas jogou o poder no lixo. Parece Collor. Aliás, Zé Dirceu e Collor têm uma psique semelhante: erram de propósito para se auto-destruir. Zé Dirceu já tinha feito isso lá trás. Em Ibiúna, naquele célebre Congresso da UNE. Eu era da UNE, mas não fui a Ibiúba. Porque ele armou um esquema de tal forma que a polícia sabia do congresso dos estudantes e cercou tudo. Essa gente deseja o erro! A elite não precisa fazer nada porque eles erram sozinhos. É feito Bush e Osama bin Laden.

Por favor, escale um time de bons políticos brasileiros.

Ah, existem muitos. É que a gente está tão imerso na sujeira que não vê. Inclusive essa é uma das estratégias do governo, dizer que todo mundo sempre fez o mesmo.Você já comprou alguém? Eu não. Há bons políticos... Fernando Henrique é um. E tem o José Serra, o Aécio Neves, o Roberto Freire, o Jefferson Perez, o Omar Serraglio, o Raul Jungmann, o Antonio Biacaia, a Luiza Erundina, o Germano Rigotto, o Eduardo Paes... O Fernando Gabeira é um grande político e um grande homem de esquerda. Sei exatamente o que aconteceu com o Gabeira e ele, o que aconteceu comigo. Fizemos o movimento crítico. Hoje as famílias desencorajam os jovens a irem para a política. Acabou aquele país dos bacharéis, dos filhos da elite. Agora os pais dizem: “Não vá se meter com drogas. Nem com política”. O grande orador sumiu. O paladino também. Sobrou o político de mercado, paroquial, mentiroso, que só pensa no dinheiro dele.

Qual é a sua opinião sobre o PSOL?

Uma loucura, uma histeria como qualquer outra, a utopia da utopia. Acham que podem fazer uma revolução socialista nos moldes tradicionais. Esta senhora, Heloísa Helena, disse outro dia: “Não é verdade que a Previdência tenha déficit, ela está com superávit!”. Diante disso, o que você fala? Nada. Contra a insânia, não há argumento. O que presenciamos no País é uma insânia. O retorno do reprimido brasileiro aconteceu, já que estamos no terreno do Freud. É feito panela de pressão quando explode a tampa. A loucura brasileira explodiu, o sonho populista está explodindo, a fragilidade das instituições está aparecendo. É um processo doloroso, mas pode ser bom. Isso, se a economia, que é a única coisa que está segurando o país, não for destruída. Nós só podemos discutir isso agora porque a inflação não está em 80% ao mês. Do contrário, aquele barulho do remarcador de preços no supermercado não nos deixaria conversar. Portanto, esse é um momento luxuoso. Um momento em que as doenças brasileiras estão vindo à tona, para o bem e para o mal.

O Brasil pode aderir à tendência populista que atravessa a América Latina?

Você viu o Chávez na ONU fazendo piada? Fez da ONU um palanque de esquina! Acho bom que Hugo Chávez e Evo Morales nos provoquem ao máximo. Aliás, eu sabia que o Morales iria atacar o Brasil, porque somos o imperialismo deles. Mas, quanto mais nos atacarem, mais o Brasil será obrigado a mostrar suas diferenças. O Brasil não é o Lula, nem o PT. O Brasil é a sua estrutura econômica, a sua indústria, o seu empresariado. Somos um país muito mais complexo, com uma população muito grande e uma riqueza muito maior, que não cabem no discurso desses macacos hispânicos. Muito menos deste moleque venezuelano que fica sentado em cima do petróleo. É a complexidade brasileira que nos salva.

Você está deprimido?

Já fiquei tantas vezes. Fiquei deprimido quando vi que o PT não tinha nem aquela dose mínima de idealismo. Quando descobri que era aquilo que o Severo Gomes chamou certa vez de “porcada magra” que invade o batatal e come tudo. Há 40 mil seres ocupando a máquina estatal, com uma estrutura tributária de 38%. O déficit na Previdência é de R$ 50 bilhões. E vivemos entre as medidas eleitoreiras e os vexames. É surrealismo. Não estamos diante de Marx, mas diante de Freud, sim. Diante da maior e mais brutal sucessão de atos falhos que já vi.

Agora seria a pornopolítica. Depois, o que vem?

Seguindo a pornografia, o desejo passa pela perversão e resta o fim de tudo. Isso também está em Freud: o desejo do vazio, a pulsão da morte, está numa obra chamada Além do Princípio do Prazer.

O que está morrendo?

Muita coisa. Espero que não seja a democracia, que não seja a desconstrução do Estado brasileiro, que não seja voltar à inflação de 80% ao mês, que não seja a urgência das reformas. Espero que morra a irresponsabilidade, o sectarismo, o voluntarismo político, o populismo oportunista. Que morra a idéia de uma revolução sagrada, que já não é factível no mundo. E que morra essa fé doentia de tantos intelectuais brasileiros.

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