Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, setembro 29, 2006

Míriam Leitão - Crescimento murcho

Míriam Leitão - Crescimento murcho

Panorama Econômico
O Globo
29/9/2006

Numa mesma semana, o governo reduziu de 4,5% para 4% a previsão de crescimento do ano, e o Banco Central diminuiu de 4% para 3,5%. Enquanto isso, o mercado financeiro já projeta 3%, e todas as indicações estão nessa direção. O governo vai saindo à francesa das posições mais otimistas, e o crescimento do Brasil vai murchando pelo segundo ano consecutivo. O que é um péssimo desempenho, com um mundo crescendo 5% em média há quatro anos.

O governo Lula encerra o mandato desperdiçando o melhor momento da economia mundial desde os anos 70. Quando o mundo cresce, é hora de surfar na onda, porque tudo joga a favor. O Brasil só cresceu em linha com o mundo em 2004. O Banco Central, muito provavelmente, fará nova revisão da sua previsão de crescimento, pois, para conseguir 3,5%, o país teria que crescer bem mais nos dois últimos trimestres.

É certo que o terceiro trimestre será melhor que o segundo, mas, se crescer o dobro, isso significa 0,9%. Para atingir 3,5%, o país teria que crescer 1,2% no terceiro e quarto trimestres. A produção industrial de julho mostrou uma recuperação, mas insuficiente e decepcionante.

O Banco Central exagerou na dose de juros. O BC alega que não errou, porque o regime de meta de inflação produz taxas em torno da meta, acima ou abaixo; e não apenas acima, como sempre ocorreu no Brasil. Se não tivesse errado, a inflação não estaria tão abaixo da meta e o crescimento tão decepcionante. O ponto certo a ser perseguido é a taxa mais perto da meta possível ao menor custo em termos de Produto Interno Bruto. Mas o BC ficou com um ônus grande demais de compensar a política fiscal expansionista deste ano eleitoral. Com o governo gastando mais e cedendo a todos os lobbies, qualquer descuido do Banco Central poderia elevar a inflação.

Um dos pontos com que o BC sempre se preocupou - mas nunca pôde dizer por temor de provocar conflitos no governo - foi com o crédito direcionado com juros muito menores que a taxa básica. Exemplo: os empréstimos concedidos pelo BNDES pela TJLP. O governo, coincidentemente, perto da eleição e no meio do surto de pacotes de bondades pré-eleitorais, decidiu reduzir ainda mais a TJLP para 6,85%.

O ponto do BC é que mais da metade do crédito brasileiro tem taxas menores que a taxa básica, e isso torna difícil o trabalho da política monetária. São os empréstimos agrícolas subsidiados do Banco do Brasil, ou os empréstimos subsidiados do BNDES para os vários setores empresariais. Esses segmentos do crédito não respondem ao aperto monetário e, por isso, a taxa de juros tem que subir ainda mais quando o BC está perseguindo algum objetivo.

Além de reduzir a eficácia das decisões do Banco Central, a TJLP é um subsídio ao empresário diretamente proporcional ao tamanho da empresa: as grandes recebem empréstimos diretos com taxas menores; as companhias menores recebem através de repassadores privados e pagam uma taxa maior. O Tesouro, que se financia a 14,25%, empresta a 6,85%. O BNDES costuma dar uma resposta cândida ao tema: alega que não é subsídio porque é dinheiro do Fundo de Amparo ao Trabalhador, cuja remuneração é menor. Ora, se o governo empresta a uma taxa que é menos da metade da que ele paga nos seus papéis, o nome disso é subsídio em qualquer lugar do mundo.

Mesmo com truques como expansão do crédito através de subsídio e com ampliação dos gastos correntes no ano eleitoral, o governo está colhendo um ano de crescimento que está ficando menor a cada nova rodada de previsões. E este ano deixa como herança para o próximo uma conta alta. Ou seja, o país não aproveitou o bom momento para crescer mais, não criou as condições para ter crescimento forte no futuro fazendo um ajuste fiscal e ainda ampliou o desequilíbrio fiscal do país com medidas popularescas destinadas a garantir ao presidente um segundo mandato. É uma forma de, com uma só cajadada, matar dois coelhos: o crescimento presente e a chance de crescer mais no futuro.

Qualquer comparação com o resto do mundo mostra que os 3,5% do Banco Central - que devem ser revistos novamente para mais baixo - são pífios perto do crescimento dos outros emergentes. Os números falam por si.

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