Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 24, 2006

Miriam Leitão Crise emergente

O jornalista Renato Machado iniciou uma pergunta lembrando que o presidente Lula havia dito que a oposição queria melar a eleição. “Eu não disse isso, Renato, eu não disse isso”, insistiu. O jornalista Heródoto Barbeiro, 25 horas depois, perguntou se ele ainda achava que a oposição queria melar a eleição, e o mesmo Lula respondeu: “Eu não acho, eu vejo todo dia. Tenho acompanhado todo dia, desde maio do ano passado, algumas pessoas não gostam do jogo democrático. Tudo pode acontecer desde que eles estejam no poder, precisam aprender que democracia é a vontade do povo.” O importante não é a contradição do presidente — coisa rotineira —, mas o clima azedo em relação à oposição, acusada de golpista.

O que aconteceu a partir de maio do ano passado não foi feito pela oposição, mas, sim, por seus próprios aliados.

Em junho de 2005, o exdeputado da base partidária Roberto Jefferson denunciou o mensalão; depois, o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares anunciou que tinha feito caixa dois; o irmão do então presidente do PT foi preso com dólares íntimos; o publicitário Duda Mendonça disse que recebera dinheiro no exterior ou em dinheiro vivo sem comprovação.

Agora pessoas da intimidade do presidente e do comitê de campanha compraram um dossiê de um bandido, ato que recebeu de Lula os termos “abominável”, “insanidade”, “imoral”, “imbecilidade”. Nada foi feito pela oposição. Tudo o que cerca o presidente desde maio do ano passado foi feito pelos seus.

A acusação de golpismo contra a oposição, quando o governo cria para si mesmo seu próprio inferno, deixou claro que as pontes entre governo e oposição estão sendo dinamitadas. O dossiê foi a maior carga de dinamite contra as pontes que supostamente iriam unir os dois lados, segundo um cenário edulcorado no qual o mercado financeiro vinha apostando.

A semana passada foi a pior dos últimos meses para alguns países emergentes.

Brasil, Hungria, Tailândia, Polônia e Equador tiveram problemas políticos que acabaram tendo impacto na economia. Aqui, em uma semana, o risco-Brasil saiu de 220 para 248 pontos, o que, nestes bons tempos, é considerada uma forte alta.

O pano de fundo é o novo medo dos mercados mundiais: a possível desaceleração da economia americana que se avizinha.

No último domingo, a rádio húngara divulgou um discurso em que o primeiroministro admitia ter ludibriado seus eleitores afirmando ter bons números na economia.

Os protestos e as prisões na Hungria duraram toda a semana. Na terça-feira, foi a vez de os militares tomarem o poder na Tailândia para expulsar um primeiroministro acusado de se aproveitar da máquina estatal. Só na sexta-feira, o clima começou a se acalmar por lá. O Equador, desde a semana anterior, já era sacudido por declarações na campanha para a Presidência. O candidato que estava em terceiro na corrida declarou que, se eleito, renegociaria a dívida do país nos moldes argentinos. O mercado internacional detestou, porém sua declaração fez um sucesso enorme no país de tal forma que ele passou a liderar as pesquisas. O resultado foi que os outros candidatos, ainda que de maneira mais moderada, seguiram sua idéia. No Brasil, não houve protesto, nem golpe, nem ameaça de default pelos candidatos líderes, mas a compra de um dossiê causou muito barulho.

As análises econômicas sobre o Brasil baseavam-se, até a semana passada, no seguinte raciocínio: para o Brasil aumentar o ritmo de crescimento e se manter num cenário positivo, precisa retomar a aprovação de reformas; isso exige um clima de entendimento entre governo e oposição; o governo Lula seria reeleito e, como o presidente não tem herdeiros à vista, faria um acordo com a oposição para a aprovação dos projetos de interesse do país.

Esse cenário ingênuo freqüentou as análises dos economistas do mercado financeiro — indiferente à complexidade da política brasileira — até agora. Mas quando a bomba, que seria jogada na oposição, estourou no colo do PT, ficou difícil manter o cenário corderosa. O humor começou a mudar. O que eles mais temem em seus relatórios é um cenário de impasse legislativo e recorrentes crises políticas produzidas por processos e apurações de fatos que aconteceram no primeiro mandato. Mas esse é, até agora, o cenário mais provável. Assim, aumentam as chances de um segundo mandato emperrado, em que o governo novamente não conseguirá tocar adiante as mudanças fiscais e tributárias.

O Brasil não foi o foco das preocupações internacionais, apesar de ter também sofrido bastante com perda de seus ativos. É um país com suas contas externas mais equilibradas, diferentemente da Turquia e da África do Sul. Para se ter uma idéia, enquanto a moeda brasileira desvalorizou 1,5% no pior dia, a quinta-feira, a da Turquia caiu 3%. No mês, o real tem queda de quase isso: 2,9%, mas, no ano, a moeda brasileira teve alta de 5,77%.

O decisivo é o temor de que a atividade econômica nos Estados Unidos, o grande consumidor da produção mundial, diminua sua velocidade antes ou de forma mais abrupta do que se esperava.

Esta semana, o hou sing starts, que mede o início de construções, teve seu pior índice nos últimos 3 anos; desde janeiro, já caiu 26%. Na quinta-feira, por exemplo, um índice que diz respeito apenas ao estado da Filadélfia e que é conhecido por sua enorme volatilidade ajudou a fazer do dia ainda pior nos mercados pelo mundo afora. Quando o mercado quer ficar pessimista, tudo é pretexto. E o Brasil tem dado robustos pretextos para alimentar um cenário negativo.

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