Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, setembro 26, 2006

Crise de nervos



editorial
O Estado de S. Paulo
26/9/2006

Até o estouro do escândalo do dossiê, o presidente Lula voava em céu de brigadeiro para aterrissar no segundo mandato já em 1º de outubro. Dava o tom a liderança absoluta nas pesquisas, com constante tendência de ampliar a vantagem inabalada pelas intempéries políticas. Mesmo depois que o seu adversário Geraldo Alckmin, secundado pela candidata Heloísa Helena, adotou uma retórica mais agressiva, alvejando cada vez mais diretamente a sua pessoa, quase nada mudou. A estável liderança de Lula nas pesquisas, com uma dezena de pontos à frente da soma das intenções de voto dos demais candidatos, configurando uma vitória no primeiro turno por maioria avassaladora, parecia absolutamente imune ao que dele dissessem os seus opositores.
Esse clima de bonança, como se sabe, passou a se alterar com a descoberta de que gente do círculo íntimo do presidente participara de uma sórdida operação para incriminar o candidato tucano ao governo paulista, José Serra, por imaginária cumplicidade com a máfia dos sanguessugas quando ministro da Saúde.
Aconteceu o que Lula decerto mais teria a temer, dada a incapacidade da oposição de danificar a sua fortaleza: que os seus fizessem "alguma coisa muito errada, na frente de muita gente", conforme a avaliação magistral de Mário Covas sobre o que poderia impedir a vitória de Franco Montoro na campanha paulista de 1982, lembrada ontem neste jornal pelo jornalista Carlos Alberto Sardenberg, em artigo na página B-2. Nem no mensalão emergiram - e foram tão amplamente divulgadas - tantas evidências, em tão pouco tempo, de um golpe sujo da companheirada que galgou o poder com Lula.
Pela primeira vez na campanha, ele foi acuado por fatos do momento presente e de domínio público, o que o obrigou a adotar, também pela primeira vez, uma posição defensiva.
Se vinha conseguindo deixar o mensalão para trás, a baixaria do dossiê não lhe deixou escapatória - e as pesquisas do fim da semana passada, principalmente a do Ibope para o Estado, indicaram que os ventos começavam a mudar. A rigor, a consistência e a intensidade dessa mudança dificilmente poderão ser conhecidas antes da abertura das urnas, mas um dado parece ter adquirido súbito peso: a reeleição em primeiro turno já não é mais líquida e certa. Era de esperar que o presidente acusasse o golpe. O que não se esperava é que entrasse em pânico. A sua expressão corporal e as suas palavras em sucessivas aparições em público apresentaram aos brasileiros um Lula avesso à paz e ao amor, em pleno ataque de nervos.
O descontrole não se manifestou abruptamente. Na sexta-feira, quando já devia dispor de informações sobre o que revelariam as pesquisas, retomando embora o raivoso bordão do golpismo das elites contra o "presidente-operário", e chamando a quadrilha petista do dossiê de "imbecis, loucos e insanos" - calçou as sandálias da humildade. "Se não der no primeiro turno", disse a uma comitiva de prefeitos, "não tem nenhum problema, porque o mundo é assim mesmo e é bom que tenha dois turnos", antes de reafirmar a certeza na vitória. No dia seguinte, quando foi publicado o DataFolha, partiu para a apelação. Em um comício em Araraquara, percebendo que o acesso de fúria estava a caminho, ainda tentou se segurar, falando em tomar cuidado "para não permitir que nossa alma fique nervosa como a dos adversários". Inútil: atacado, cometeu a temeridade de afirmar que, "se colocar todos eles (os tucanos) no balaio, não valem o que eu valho do ponto de vista moral e ético". Domingo, em outro comício no interior de São Paulo, já em estado de apoteose mental, provocado pela publicação do Ibope, perdeu de vez a "modéstia", como disse - e as estribeiras.
Proclamou que "essa (eleição) nós já matamos ela no primeiro turno". É problema dele a cara com que ficará se não matar. Mas, se matar, será problema dos brasileiros ter, por mais quatro anos, um presidente cujo governo foi uma sucessão de escândalos protagonizados por seus mais íntimos "companheiros" que, agora, além de "imbecis e insanos", chama de traidores para poder se comparar a Jesus e Tiradentes. Assim, tenta continuar enganando os verdadeiros traídos "deste país", ou seja, as dezenas de milhões de eleitores que acreditaram na apregoada superioridade ética de Lula e do seu partido. Aproveita-se do fato de a maioria desses eleitores não ter condições de perceber a enganação. Isso o Brasil não merecia.

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