A simpatia por trejeitos populistas faz parte da história das eleições no Brasil
dora.kramer@grupoestado.com.br
Seja o presidente Luiz Inácio da Silva reeleito ou não, sendo mais provável que venha a ser, seu sucesso com o eleitorado a despeito dos fatos adversos é objeto de reflexões, dúvidas, constatações algo cínicas, espanto, revolta, comemorações que dão como justificativa o efeito da força do povo, para usar o slogan do candidato petista.
Mas se o povo - considerando-se aí a maioria - gosta tanto de Lula, por que não o elegeu nas outras três vezes em que concorreu?
A pergunta é instigante e a resposta dificílima. Gustavo Krause, ex-deputado, ministro da Fazenda de Itamar Franco e do Meio Ambiente de Fernando Henrique, candidato a suplente do senador Marco Maciel, mas, sobretudo, um formulador político, tem pensado a respeito e arrisca um palpite.
A explicação estaria na "cultura cívica" brasileira, bastante simpática a políticos com "trejeitos populistas". E Lula só os assumiu em sua inteireza na quarta eleição que disputou, não por acaso aquela em que foi mais bem orientado em matéria de marketing político-eleitoral.
No curso de quatro anos de governo, com os instrumentos do Estado à disposição, aprofundou-se no gênero, deixando aflorar o verdadeiro Lula - mais referido no líder populista do que no combativo esquerdista que tanto encantava a intelectualidade e assustava a classe média, o empresariado e, em boa medida, o povo, aquele da "força".
"Lula governou com os juros para os ricos, o mensalão para os corruptos e o mensalinho para os mais pobres", resume Krause, referindo-se neste último item, evidentemente, ao programa Bolsa-Família.
A demanda pela sobrevivência de todos esses setores explicaria a preferência pela renovação do mandato de Lula, "embora não se deva dar a eleição por decidida com um mês de antecedência", diz.
Para fornecer a comprovação histórica de sua análise, Gustavo Krause lembra que a história das eleições presidenciais brasileiras tem como regra figuras do perfil de Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Fernando Collor e agora Lula. Na visão dele, as exceções são Juscelino Kubitschek - "ainda assim eleito não pela maioria" - e Fernando Henrique Cardoso, beneficiário não da própria figura e desempenho, mas de um plano de estabilização monetária.
Embora essa seja a lógica do padrão eleitoral, não é, segundo Krause, a dinâmica da governança. "Esta hoje dispõe de instrumentos como a Lei de Responsabilidade Fiscal, o Banco Central independente na prática e a noção de estabilidade, que não deixam o País afundar no populismo", analisa.
Nesse sentido, Lula teria recebido uma "herança bendita" que transforma em maldita pelo "poder da grandiloqüência da mentira", conceito difundido por líderes totalitários.
Isso significaria, então, o risco iminente de uma guinada autoritária ou a condenação do País à submissão eterna ao populismo?
"Não, os mecanismos eleitorais da democracia estão degradados e em baixa na visão do senso comum, mas não é ele que governa. Os instrumentos de governança, os valores, as instituições continuam em alta e são estes que prevalecem e, ao longo do tempo, acabam provocando uma mudança, para melhor, do padrão eleitoral."
Contradição
A lei tem dessas coisas. A Justiça Eleitoral proibiu referências ao mensalão, a Waldomiro Diniz, ao episódio dos dólares na cueca, a caixa 2, sanguessugas, corrupção, denúncia da "organização criminosa", casos do conhecimento geral. São considerados ofensivos.
Já mentir, pode. Deve ser sinal de respeito e apreço ao eleitor.
Mão única
A Associação dos Magistrados do Brasil, a Justiça Eleitoral, ONGs como Transparência Brasil, grupos de políticos independentes, muita gente, enfim, tem se mobilizado em defesa do voto consciente, contra a auto-anulação desse direito, mas dos partidos não se ouve palavra a respeito.
Aliás, eles não se mexem para coisa alguma. Nem para cumprir a obrigação de negar licença para candidaturas de gente acusada, denunciada, processada, dona de folha corrida no lugar de biografia.
E são os primeiros a dizer que o Brasil não está preparado para abolir o voto obrigatório.
Paz dos cemitérios
Não obstante o aroma eleitoreiro, por causa do momento, a operação da Polícia Federal em dez Estados contra a organização criminosa que inferniza São Paulo deve ser saudada por dois motivos: primeiro, óbvio, mostra empenho do governo federal e noção de que a chaga é nacional.
Segundo, explica um pouco a razão pela qual reinava a paz (dos cemitérios) em Estados onde as quadrilhas sem fronteiras não promoviam ações grandiosas de terror. Aparentemente porque não sofriam repressão. Só não sabemos ainda o motivo da leniência oficial.
Agora, se é verdadeira a alegação das autoridades paulistas de que os facínoras agem em São Paulo em reação à ação dura da polícia local, onde e contra quem agirão em represália à PF, já que ninguém mora na União?