Entrevista:O Estado inteligente

domingo, setembro 03, 2006

CELSO MING A globalização mete medo

O ESTADO DE S.PAULO
A globalização mete medo

CELSO MING celso.ming@grupoestado.com.br

Os países centrais sempre tiveram interesse em que se perpetuassem os processos de globalização.

No século 4º antes de Cristo, o imperador Alexandre chegou a dominar a Europa conhecida, a África que tinha alguma importância política e cultural e toda a extensão da Ásia até a Índia. Cada território conquistado teve de se submeter não só ao Imperador, mas também aos padrões da cultura helênica. As tragédias de Ésquilo, Sófocles e Eurípedes foram encenadas em todas as cidades importantes do Império até as margens do Rio Indo.

Os impérios se sucederam. Houve o de Roma, o de Carlos Magno, o de Napoleão, o britânico e, agora, o americano. Todos tiveram ou têm grande interesse em intensificar alguma forma de globalização. A novidade é que o bloco ocidental de países ricos liderados pelos Estados Unidos começa a ter dúvidas sobre o resultado do atual processo.

O economista Branko Milanovic, do Centro para o Estudo da Globalização da Universidade de Yale, observa que dois novos medos estão atacando as certezas que o bloco dos países ricos do Ocidente tinha sobre o processo de globalização que se faria à sua imagem e semelhança a ponto de prenunciar o “fim da história”. (Ver http://yaleglobal.yale.edu/display.article?id=8088).

O primeiro novo medo é o de perda de empregos para países onde a mão-de-obra é abundante e barata. O segundo é o de que as raízes étnicas e culturais desses países sejam dizimadas pela imigração crescente.

Por trás do primeiro medo estão especialmente China e Índia. Milanovic observa que esses dois países estão apenas recuperando o terreno perdido. Antes da Revolução Industrial, eles respondiam por metade da produção mundial. Hoje, após a intensa cavalgada já conhecida, continuam com menos de um quinto. Pela sua boa qualidade e pelo seu baixíssimo preço, cada produto chinês que chega aos portos do Ocidente tende a substituir produção local e a fechar postos de trabalho. Esta é principal razão pela qual mais fábricas têm migrado para centros de mão-de-obra abundante e barata.

O modelo de desenvolvimento da Índia baseia-se na produção de software e na utilização intensiva de tecnologia de informação a baixo custo. Os indianos também estão tirando postos de trabalho dos países ricos, mas, nesse caso, avançam sobre empregos que exigem mão-de-obra relativamente mais qualificada.

O outro medo, observa Milanovic, tem motivação diferente. É provocado por países economicamente estagnados. São africanos que chegam aos magotes às praias espanholas; mexicanos e outros latino-americanos que atravessam a fronteira em direção aos Estados Unidos. É gente que tem dificuldade de se integrar e, caso seja absorvida, tende a esgotar os fundos que financiam a sociedade do bem-estar social (previdência, seguro-desemprego, seguro-saúde).

Desde David Ricardo, a teoria econômica dava pouca importância a essas mudanças. Sempre acreditou que, numa economia em expansão, mudanças assim são inevitáveis, os postos de trabalho perdidos num setor acabam incorporados por outro.

Os dois movimentos (perda de emprego e imigração), diz Milanovic, “estão minando as bases consensuais sobre as quais foi construída a sociedade do bem-estar (welfare state) do Ocidente desde o fim da 2ª Grande Guerra”. Essas duas bases são a solidariedade étnica e social, lembra Milanovic. Ninguém parece disposto a pagar contribuições e impostos para sustentar “gente diferente”, especialmente se isso se faz à custa de perda de empregos e da própria capacidade de pagar contribuições e impostos.

A sociedade européia reage mais negativamente a essas novidades do que a americana porque lá o sistema de bem-estar social é “mais extenso e mais embasado na vida comum”. Ela precisa de imigrantes porque está envelhecendo e já não conta com gente que exerça as funções de baixa remuneração. Mas não favorece sua absorção. Os europeus adulam os imigrantes quando são bons jogadores de futebol, mas os suportam mal quando são simples faxineiros. É por isso que os imigrantes tendem a preservar sua cultura própria.

“A Europa precisa de uma revolução social que passa por uma revisão dos seu sistema de bem-estar social e aceitação de que as próximas gerações de alemães, franceses e italianos tenham pele mais escura do que têm as gerações de hoje.”

A questão não termina aí porque – e nisso Milanovic não avança – os países ricos vão cada vez mais se perguntar se, nessas condições, a globalização lhes interessa. Se chegarem à conclusão que não, o protecionismo e a repressão aos movimentos migratórios tenderão a aumentar.

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