Implosão da equipe de Palocci eleva
Meirelles, presidente do BC, ao posto
de homem forte da economia
Giuliano Guandalini
Lula Marques/Folha Imagem |
Meirelles (acima) e Lula na posse de Mantega: presidente do BC aceitou ficar com a condição de desfrutar mais autonomia operacional |
Eraldo Peres/AP |
A cada dois meses, infalivelmente, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, toma um avião e voa para Basiléia, na Suíça, para fazer parte de um seleto evento. São as reuniões bimestrais do Banco de Compensações Internacionais (BIS), considerado uma espécie de banco central dos bancos centrais. Nessas ocasiões os comandantes dos principais BCs mundiais encontram-se para discutir os rumos das finanças internacionais. Nos últimos três anos, Meirelles tem exercido a missão de convencer seus colegas de que a economia brasileira segue em trilha sólida e responsável. Parece ter conseguido. Ganhou, entre seus pares, o apelido de "Greenspan dos pobres", brincadeira que ele aceita com simpatia. Afinal, para um presidente de banco central é sempre bom ser comparado com Alan Greenspan, o mitológico ex-presidente do BC americano. Agora, com a implosão da equipe econômica comandada por Antonio Palocci, mais do que nunca caberá a Meirelles o papel de fiador da política econômica diante dos credores nacionais e internacionais. O presidente Lula chegou a cogitar a nomeação de Meirelles para o lugar de Palocci, mas seu nome foi barrado pelo PT e o escolhido acabou sendo Guido Mantega.
Palocci caiu em desgraça, mas não pela condução da economia. Pelo contrário. Contava com o apoio inclusive da oposição, devido a seu compromisso, desde o início, com o controle da inflação. O PIB, soma de tudo o que o país produz em um ano, avançou pouco sob Palocci. Isso é fato. Mas quitou-se a dívida com o Fundo Monetário Internacional (FMI), as contas externas deixaram de ser problema e o país tem hoje fundamentos muito mais sólidos para acelerar o crescimento econômico. Sem Palocci, que havia conquistado o respeito dos investidores, a confiabilidade da equipe econômica foi posta em xeque. Guido Mantega, embora tenha assumido com um discurso de continuísmo, representa uma corrente bastante crítica em relação à ortodoxia econômica, que defende um papel mais ativo do Estado no desenvolvimento. O novo ministro da Fazenda condenou, repetidas vezes, o que chamava de "excesso de zelo" e "conservadorismo" do BC e cobrava a diminuição mais agressiva na taxa de juro. Nenhum analista acredita que haverá uma ruptura em decorrência da assunção de Mantega. Será mantido o tripé básico que sustenta a economia, a saber: regime de metas de inflação, câmbio flutuante e metas de superávit primário, a economia que o governo faz para pagar juros. Mas Mantega, alinhado à ministra Dilma Rousseff, da Casa Civil, deverá adiar de vez a agenda de reformas mais profundas defendida por Palocci, como o projeto de zerar o déficit público e o de aumentar ainda mais o grau de abertura da economia brasileira, hoje em 30% do PIB. O resultado da mexida na equipe econômica é que Meirelles, que chegou a estar com a cabeça a prêmio, chamuscado pelo fogo amigo da ala mais radical do PT, acabou se tornando o sustentáculo econômico do governo Lula. Sua permanência tranqüilizou os investidores. Meirelles só aceitou ficar com a condição de não ser subordinado a Mantega e se reportar diretamente a Lula. Para o economista José Márcio Camargo, da PUC-RJ, a liberdade concedida ao BC representa o ponto mais positivo no episódio da derrocada de Palocci. Diz ele: "É um sinal de que estamos mais próximos da autonomia formal do Banco Central".
Se não há dúvidas de que o BC de Meirelles continuará firme em sua tarefa de combate à inflação, menos certo é o controle dos gastos, que caberá a Mantega. Os números mais recentes sobre a situação das finanças públicas emitiram um sinal de alerta. Nos dois primeiros meses do ano houve forte aumento de dispêndios. Em parte, isso se explica pelo calendário eleitoral. Há restrições para a liberação de recursos às vésperas das eleições. De qualquer maneira, o setor público economizou 7,5 bilhões de reais no primeiro bimestre. É uma montanha de dinheiro, insuficiente porém para evitar o aumento da dívida pública. A economia representou 2,3% do PIB, contra 3,6% no mesmo período do ano passado. Sem que o governo – qualquer governo – contenha seus instintos perdulários, não há como reduzir a carga tributária. Ela chegou a 38% do PIB, um novo e desastroso recorde, do qual os governantes deveriam se envergonhar.