O Estado de S. Paulo |
27/4/2006 |
Não há razão para confundir apelo aos 'sociais' com conflagração das massas A cada vez que o presidente Luiz Inácio da Silva faz um aceno eleitoral ao seu público de origem, os chamados movimentos sociais, aparece alguém para traduzir o gesto como uma conclamação das massas à luta de classes em defesa de Lula contra os ataques das elites, dos neoliberais (tresloucados, agora no dizer do MST), da direita, da classe média ou que nome tenha a parcela do eleitorado que esperava mais do governo do PT além de assistencialismo, disciplina na lição de economia aprendida com o antecessor e escândalos de corrupção. O raciocínio contém vários equívocos, sendo o principal deles a suposição de que Lula pretenda repetir modelos da vizinhança continental e jogar ricos contra pobres, dividindo o Brasil em dois para reinar no caos. Se há uma coisa que não se pode negar aos petistas, pelo menos os providos de senso, é a percepção pronta e acabada de que Lula não é Hugo Chávez, Brasil não é Venezuela, ninguém pode se dar ao luxo de dispensar por aqui apoios na elite financeira, cultural, social e política para se eleger e governar. Neste caso, vale mais o amigos, amigos, negócios à parte. Quisesse fazer estripulias dessa ordem, Lula tentaria quando era dono do entusiasmo e da quase unanimidade do País. Não o fez porque não é de verdade seu estilo (nem tem paciência e dedicação pessoais para isso), sabe dos riscos contidos numa manobra assim tão radical e, sobretudo, não dispõe de condições objetivas para tanto. Basta lembrar o destino dos ensaios autoritários do início do mandato: naufragaram sob intensa reação da sociedade e serviram de base ao desgaste político acentuado depois com a temporada de escândalos sucessivos. Não há nada de estranho, muito menos de revolucionário, no fato de o PT anunciar que vai se juntar à CUT, ao MST e à UNE para defender Lula contra eventual proposta de impeachment e, na campanha, para dar substância à base social do projeto de reeleição. Estranho seria se o PT anunciasse rompimento com essas entidades, cujo apoio agora não representa acréscimo, mas a permanência dos aliados de sempre. Antes de temer esse tipo de mobilização, conviria aos adversários do presidente pensar dois minutos sobre a representatividade da UNE - hoje praticamente dedicada a fazer dinheiro com a emissão de carteiras de estudantes -, sobre a força do movimento sindical, esteja ele representado na CUT ou qualquer das outras centrais, e principalmente sobre a capacidade de o MST arregimentar votos. Vão bem longe os tempos em que os sem-terra eram bons cabos eleitorais. Há muito deixaram de ser e prova é que, em 2002, o PT pediu ao movimento uma conduta discreta e providencial distância a fim de não prejudicar a eleição de Lula. De lá para cá, a imagem do movimento só fez se deteriorar na sociedade, por causa da adoção do conflito e da afronta à lei como forma de luta. Se não radicalizar, o MST não aparece, ele vive disso. Então, para ter algum destaque, terá de exorbitar e, em exorbitando, gera desconfiança e tira votos. Sem falar no risco de cair nas mãos da Justiça e do Ministério Público. Antes, porém, de poder contar com a força dos movimentos sociais em sua defesa nas ruas, o governo precisará administrar suas demandas. São grupos criados na lógica da reivindicação, treinados para "pedir", não acostumados a "dar". Tanto que estão a exigir de Lula uma versão da "Carta aos Brasileiros" dirigida em 2002 ao mercado financeiro, adaptada aos seus interesses. Difusos, no geral, mas específicos no tocante ao avanço dos programas sociais para além do assistencialismo. O presidente provavelmente lhes dará uma carta de intenções, sabedor de que a capacidade de cobrança deles é ínfima se comparada à força daqueles "brasileiros" destinatários da carta de 2002. O exército dos "sociais" também não tem opção eleitoral fora do PT. Com o PSDB ele não ficará; com a esquerda representada por Heloísa Helena também não. À senadora do PSOL sobra identidade ideológica, mas falta a ela o essencial: a perspectiva real do poder, cujo gosto para quem experimenta é sempre de quero mais.
A nova denúncia contra o deputado José Mentor, acusado agora de ter recebido dinheiro de um doleiro na CPI do Banestado depois de ser absolvido pela Câmara, a acusação do Ministério Público contra parlamentares inocentados por seus pares e o flagrante das doações de empresas de fachada que obrigou Anthony Garotinho a prometer devolver o dinheiro recebido são constrangimentos altamente didáticos e compõem o retrato de uma, senão perfeita, pelo menos mais saudável realidade político-eleitoral. O próprio Anthony Garotinho, que agora se apressa em corrigir o malfeito, quando acusado pela Justiça por abuso do poder econômico na eleição de 2004 reagiu com desdém e saiu ileso. A crise estreitou critérios e vai impondo mudanças de comportamento sem que seja necessária nenhuma reforma nas leis, bastando o cumprimento das que aí estão. |
Entrevista:O Estado inteligente
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