Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, abril 26, 2006

Míriam Leitão - Erro estratégico

Míriam Leitão - Erro estratégico

Panorama Econômico
O Globo
26/4/2006

Quem ainda conserva o bom humor na Petrobras pôs o nome de "transpinel" ao megalômano e caríssimo gasoduto unindo Venezuela, Brasil e Argentina. Na Bolívia, a estratégia do governo Lula fracassou inteiramente. Há problemas diplomáticos e empresariais na Venezuela e no Equador. Em breve, pode haver no Peru. Fracassou a política externa "los hermanos" do presidente Lula.

A "transpinel" tem o custo previsto de US$ 20 bilhões, mas não se pode sequer fazer estudos de viabilidade do projeto, porque a Venezuela se nega a dar os dados sobre as reservas de gás do país. Diz que é uma informação estratégica. O companheiro Hugo Chávez pede que o Brasil, como país consumidor, confie nele cegamente e invista uma baba de quiabo para, ao fim, ficar dependente dos humores chavistas, que são sempre imprevisíveis. Ele, por sua vez, não pode dar a informação das reservas pois não confia nos parceiros. Ótima forma de começar uma sociedade. Que projeto de gasoduto pode ser feito sem que se saiba o volume de gás disponível para ser transportado?

Muy amigo

Na Bolívia, o governo Lula e a atual direção da Petrobras cometeram o erro da arrogância. A estatal brasileira se comportava como se fosse "a grande irmã" da Bolívia, contam executivos do setor. De fato, a avaliação da empresa é que ela é tão grande e tão importante para a economia boliviana que seria tratada de maneira diferente pelo governo daquele país. O governo brasileiro dizia abertamente que Lula tinha muita influência sobre Morales e que era seu conselheiro. Pois conselheiro e a grande irmã estão agora passando o maior sufoco.

O Brasil cometeu também o erro da ingenuidade. Morales, no começo, incentivou a idéia de que a Petrobras e o Brasil seriam mais irmãos da Bolívia que os outros. Ele fazia um discurso duro para fora e, nos contatos diplomáticos, exibia mais pragmatismo. Assim conseguiu enganar a outrora sagaz diplomacia brasileira. Foi com espanto que a Petrobras e o Itamaraty receberam o endurecimento do governo Morales.

O que deu errado no projeto de unir a América do Sul ampliando a integração como resposta ao projeto da Alca? É que diplomacia não se faz com ideologia. A Alca poderia ser descartada, mas não pela velha ideologia antiamericana em voga na época das passeatas políticas. Não há um projeto sul-americano que a substitua; a integração deve ser buscada com todos os parceiros e da forma mais eficiente possível. A avaliação dos acordos e projetos a fazer não pode ser pela cor política do hermano em questão, mas, sim, pela segurança contratual e regulatória no país vizinho. Governos passam; países permanecem. Eles sempre serão nossos vizinhos e há interesses complementares. Apressar entendimentos por razões de conjuntura político-ideológica é uma escolha diplomática primitiva.

A América Latina está no meio de um retrocesso populista que nos leva aos anos 50. Esta visão de nacionalismo xenófobo não pode mais ser revivida; hoje o mundo é totalmente outro. A integração mundial é uma realidade da qual nenhum país pode, nem deveria querer, fugir. Morales, Chávez, Kirchner em certa medida e talvez Ollanta Humala precisam do clima de radicalização política que os leva naturalmente a hostilizar empresas estrangeiras. E o Brasil, em alguns destes países, sobretudo a Bolívia, é candidato ideal ao papel de "gringo explorador".

A Bolívia precisa desse discurso, radicalizado agora pela briga interna por supremacia das forças políticas de Morales nas eleições constituintes. A EBX, de Eike Batista, foi colhida nesta tempestade. O papel do Itamaraty não é compreender as razões de Morales e até justificá-las. É defender os interesses do Brasil. Não é trabalhar por obsoletas uniões ideológicas; é construir acordos que sejam parâmetros seguros para que os empresários possam fazer seus investimentos e comércio.

Uma regra de ouro da diplomacia brasileira sempre foi não se envolver em questões internas, tomando partido. O Brasil de Lula tomou partido na briga entre chavistas e antichavistas, na Venezuela, durante a greve geral. A Petrobras chegou até a fornecer a gasolina que o governo pediu. Agora, a mesma Petrobras é tratada nos projetos que mantém na Venezuela como as outras empresas: tem que aceitar a quebra de contrato imposta pelo governo se quiser permanecer no país. Hoje a Bolívia está no meio de uma briga interna entre Morales e as autoridades de Santa Cruz. O Brasil deve ficar distante. O que deve exigir é respeito aos contratos.

O que se passa na Bolívia faz com que aqui as empresas temam o futuro do Peru. É praticamente certo que Alan Garcia e Ollanta Humala estarão no segundo turno. A última pesquisa dá Garcia com 20 pontos na frente, mas ainda é cedo para apostar num vencedor. O discurso de Humala, mais temido, parece-se muito ao de Chávez e Morales, propondo, inclusive, a convocação de uma assembléia constituinte.

No meio de toda esta polêmica, o ponto é este: cada país tem o direito de decidir o quanto taxar e de que forma fazer a exploração dos seus recursos naturais. Mas a melhor forma de fazer mudanças é negociando, e não impondo. Se esse for o caminho escolhido, eles serão abandonados pelo capital estrangeiro. Na região, além de nós, sobrará o Chile como porto seguro.

 
 

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