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A Constituição de 1988 e depois dela os aumentos do valor real do salário mínimo inverteram a lógica da despesa pública no Brasil. Nos países normais, primeiro se arrecada para depois gastar. Aqui, primeiro se cria a despesa para depois aumentar a carga tributária. A voracidade não é tributária, mas da despesa obrigatória, que compromete o futuro.
Lula continuou a marcha da insensatez no salário mínimo e agora apoiou uma nova reivindicação de prefeitos, qual seja, aumentar em um ponto percentual a participação dos municípios na receita da União. Como de vezes anteriores, não haverá a correspondente transferência de responsabilidades.
O ministro Tarso Genro afirmou que a medida atende o interesse público, fortalece a Federação, ajuda a democracia e quejandos. Nada a ver. Os ganhadores serão os insaciáveis prefeitos, que se acostumaram a comparecer aos magotes a Brasília para arrancar dinheiro do governo federal, como se a grana nascesse em árvore.
O ministro precisa informar-se melhor. A medida aumentará os gastos municipais. Vai piorar a situação orçamentária. Acrescentará novas dificuldades ao crescimento. Como não dá para compensar a perda com corte de gastos federais, a benevolência desaguará em aumento de carga tributária ou redução do investimento. Esta tem sido a tragédia fiscal desde 1988.
Quem reclama da carga tributária não protestou, provavelmente por não perceber o problema. A luta, inglória, tem cabido desde 1988 aos ministros da Fazenda. Palocci conseguiu segurar a atual onda por um tempo. Com sua saída, a dupla Tarso Genro-Dilma Roussef fez a alegria dos prefeitos.
Até 1974, cabia aos Estados e Municípios 12% da arrecadação do Imposto de Renda e do IPI. Subiu para 22% em 1978, 26% em 1979, 30% em 1983, 34% em 2005 e 44% em 1988, quando se destinou mais 3% para fundos regionais de desenvolvimento. Do IPI, os Estados abocanharam mais 10% para compensá-los por incentivos (?) às exportações. Para piorar, 18% da receita daqueles impostos devem ser aplicados em educação. Assim, de cada real arrecadado de IR, a União fica com 43 centavos; no IPI, são 32 centavos. Esses dois impostos, os de melhor qualidade, foram praticamente destruídos.
Viramos uma das federações mais descentralizadas do mundo, o que teria sido bom se tivesse havido uma realocação do gastos para os governos subnacionais. Aconteceu o contrário. Ao tempo em que despia o Tesouro Nacional de recursos, a cidadã ampliou substancialmente as despesas da União. Essa "festa cívica" contribuiu, juntamente com as elevações do salário mínimo, para triplicar os gastos previdenciários como proporção do PIB, o que gerou um rombo anual de mais de 5% do PIB, equivalente a dez vezes os investimentos federais em 2005.
A União foi forçada a criar tributos não partilháveis com os governos subnacionais e a aumentar as alíquotas dos existentes. Se utilizasse o IR para cobrir as novas despesas, teria que cobrar quase o dobro. No IPI, seria preciso arrecadar o triplo. Diminuiu, assim, o interesse no IR e no IP e aumentou o esforço para cobrar Pis, Cofins, CPMF, Cide. Como proporção do PIB, o IPI é um quarto do que era em 1987. Enquanto isso, a alíquota da Cofins foi multiplicada por seis e agora subiu mais ao passar a ser cobrada sobre o valor adicionado. A carga tributária se tornou caótica, saltou de 22% para 38% do PIB e se transformou em entrave ao crescimento.
É preciso evitar que a tragédia se amplie, deixando de dar aumentos reais ao salário mínimo ou eliminando sua vinculação ao piso previdenciário. É preciso barrar as investidas dos prefeitos para churrasquear ainda mais a União. E mobilizar a sociedade em prol de um profundo ajuste fiscal. O governo Lula fez exatamente o contrário, inibindo o potencial de crescimento do País. É uma pena que Alckmin tenha prometido o mesmo aos prefeitos.
Os prefeitos são um bem organizado grupo de pressão. Eles e os governadores contribuíram para o aumento dos gastos correntes a partir de 1988 e para a redução dos investimentos. A nova investida não é de interesse público (ao contrário do que diz o ministro Genro). A nova bolada tem tudo para ser gasta com funcionalismo e em obras de pouca utilidade. E ainda há quem pense que o Brasil cresce pouco por causa da política econômica. O problema é estrutural e pode piorar.
Mailson da Nóbrega é ex-ministro da Fazenda e sócio da Tendências Consultoria Integrada (e-mail: mnobrega@tendencias.com.br