Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, abril 24, 2006

A consagração do atraso

EDITORIAL OESP

No último dia útil de 2005, o chanceler Celso Amorim autorizou a promoção extraordinária de 92 diplomatas e a abertura de concurso no Instituto Rio Branco para o preenchimento de 105 vagas. Essas providências foram adotadas dias depois que o ministro das Relações Exteriores, durante cerimônia de formatura de novos diplomatas, pediu publicamente ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva mais recursos humanos e financeiros para o Itamaraty. Logo em seguida, o presidente assinou medida provisória autorizando o aumento de 400 vagas nos quadros do serviço diplomático. Na mesma medida provisória3, alteravam-se os quadros de pessoal de várias agências reguladoras e criavam-se as carreiras da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) - o que serviu de pretexto para o governo alegar uma "urgência e relevância" cuja inexistência estava comprovada pela demora em implantar a agência que substituiu o DAC.

Quando as promoções no Itamaraty foram autorizadas, a medida provisória ainda não estava aprovada. Só veio a sê-lo na Câmara um mês depois. Também não havia, no projeto de orçamento da União enviado ao Congresso, dotação para pagar o concurso no Instituto Rio Branco e as despesas dele decorrentes. Tratava-se, portanto, de decisão que, embora amparada em medida provisória em vigor, pelos riscos envolvidos poderia ter seus fundamentos jurídicos discutidos. Do ponto de vista administrativo, a antecipação das promoções e do concurso era uma grande imprudência. E, de fato, o Senado, no exame da medida provisória, reduziu o número de novas vagas para a carreira diplomática, pleiteadas pelo Itamaraty, de 400 para 105. Como isso deixaria a direção do Itamaraty em maus lençóis, o governo acionou o rolo compressor quando o projeto voltou à Câmara e conseguiu restabelecer as 400 vagas originais.

O episódio, como mostrou o embaixador Rubens Barbosa em artigo publicado no Estado (11 de abril), foi apenas um do processo de desestruturação de uma organização que já foi exemplar no serviço público, tanto pela seriedade com que era conduzida administrativamente como pela condução de uma política externa voltada para a defesa dos interesses nacionais - e agora, no governo Lula, "sai mundo afora a fazer política ideológica na esperança de ressuscitar realidades do passado".

A ampliação dos quadros é, de fato, apenas um dos aspectos da reforma do Itamaraty conduzida pelo secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães, com o endosso do chanceler Celso Amorim. As idéias de Pinheiro Guimarães foram expostas com meridiana clareza em artigo recentemente publicado por ele na revista eletrônica La Onda Digital, do Uruguai. Em resumo, para ele, o Brasil deve reagir contra as iniciativas políticas dos EUA e de outras potências, e manter alianças políticas, econômicas e tecnológicas com os países da "periferia", ou seja, do Terceiro Mundo.

E é nessa região - onde não estão os principais interesses econômicos do Brasil - que o Itamaraty tem expandido suas atividades. No ano passado foram criadas embaixadas em Camarões, Tanzânia, Belize, Croácia, Guiné Equatorial e Sudão e consulados em Doha (Catar), Lagoa (Nigéria), Beirute (Líbano), Iquitos (Peru) e Genebra (Suíça) - o que justificaria o aumento dos quadros da carreira diplomática. Nos dois primeiros anos do governo Lula, já haviam sido criados seis postos diplomáticos.

Mas a reforma do Itamaraty não é apenas quantitativa. "Nada ou quase nada é pensado para aperfeiçoar os métodos de trabalho, melhorar a política de pessoal ou modernizar as estruturas", adverte o embaixador Rubens Barbosa. Mas o que é feito, dizemos nós, vem em detrimento da qualidade do serviço diplomático e em benefício da ideologização do pessoal. A leitura obrigatória para os diplomatas que retornam ao Brasil depois de servir no exterior de livros escolhidos pelo secretário-geral segundo suas preferências ideológicas seria pueril, não fosse a síndrome de algo mais grave. Os novos critérios de promoção na carreira, à espera de aprovação, pretendem perenizar a vocação terceiro-mundista de uma política externa que tem colecionado fracassos. Na visão da atual cúpula do Itamaraty, devem ter prioridade nas promoções os diplomatas que servirem em postos do Terceiro Mundo. Quem serve nos países onde se concentram os verdadeiros interesses políticos e comerciais do Brasil ficará para trás. É a consagração do atraso



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Rubens

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