editorial |
O Estado de S. Paulo |
27/4/2006 |
Sempre que um político acuado por robustas denúncias de corrupção consegue se safar do merecido castigo - como os deputados mensaleiros cujas cassações foram pedidas pelo Conselho de Ética da Câmara e se salvaram nas votações secretas em plenário - fica a esperança de que, cedo ou tarde, novas acusações aparecerão contra eles, impedindo-os de encenar a farsa continuada de sua inocência. Raramente o passado reaparece para desmascará-los. Mas, quando isso acontece, é um breve à impunidade. O caso do dia é o do deputado petista José Mentor. Há uma semana, ele preservou o mandato porque faltaram 16 votos para os 257 que bastariam para removê-lo do Congresso. Mentor não é um político do baixo clero. Dos petistas incriminados por quebra de decoro parlamentar, só os seus companheiros José Dirceu (cassado) e João Paulo Cunha (absolvido) têm mais notoriedade - embora tenha ficado de fora do primeiro listão de 40 denunciados pelo procurador-geral da República. No Conselho de Ética, o relator pediu que o despojassem do seu mandato por um delito idêntico aos de tantos outros que se abasteceram no valerioduto. O seu escritório de advocacia recebeu R$ 120 mil das empresas do publicitário mineiro sem que o deputado pudesse comprovar a prestação dos alegados serviços de consultoria que justificariam a paga. Mas o que convenceu a maioria dos conselheiros de sua culpa foi a memória de outros serviços que ele teria prestado, segundo indícios veementes, a quem não os merecia, como relator da malfadada CPI do Banestado, instalada em 2003 para investigar miliardárias remessas ilegais para o exterior e encerrada em 2004 sem conclusões. Agora, pela primeira vez, aparece um protegido confesso do deputado daquela ocasião. A imprensa noticiou que, duas semanas antes de Mentor saborear a fatia que lhe coube, saída dos fornos da Pizzaria Plenário, o doleiro Richard Van Otterloo, condenado em primeira instância a seis anos de prisão por evasão de divisas, disse espontaneamente ao Ministério Público de São Paulo que pagou R$ 300 mil em dinheiro ao deputado para que não o citasse no documento final da CPI. O depoimento levou o procurador-geral de Justiça do Estado, Rodrigo Pinho, a representar contra ele junto à Câmara. A representação foi protocolada na Casa na mesma hora em que o plenário decidia o destino do petista. Mentor diz que a acusação é "absurda", mas ela parece consistente, a começar do fato de Otterloo buscar amparo no sistema de delação premiada. (Ele responde a processo em liberdade graças a um habeas-corpus e não poria os seus interesses a perder com uma acusação falsa.) Segundo o doleiro, quem sugeriu que procurasse Mentor, por interposta pessoa, foi Flávio Maluf, filho do ex-prefeito. Os Maluf teriam fortes razões próprias para manter Otterloo a salvo de problemas. Afinal, nem o pai, nem o filho, nem o doleiro foram intimados a depor na CPI do Banestado. Ele diz que outros cambistas também foram procurados para pagar propina a Mentor. A corregedoria da Câmara terá de se pronunciar sobre o pedido de processá-lo por extorsão ou corrupção ativa. O importante, desde já, é que o depoimento de Otterloo reabre a sórdida história da CPI do Banestado - que mereceria, ela própria, uma CPI. Mentor, indicado para a relatoria por seu padrinho José Dirceu, fez ali uma lambança, se for verdade apenas uma parte do que se divulgou a respeito de sua conduta. A serviço do chefe, requisitou os dados de todas as operações cambiais efetuadas pelo Banco Central entre 1996 e 2002 e pediu à instituição que permitisse a um auxiliar seu "acesso direto" às informações. A idéia era munir o governo Lula de material incriminatório de empresários e políticos - e não há de ter sido para levá-los ao banco dos réus. O petista foi acusado de vazar dados sigilosos e de abafar investigações, para expor ou proteger suspeitos, conforme as conveniências políticas do Planalto e os seus interesses pessoais. Se a denúncia de Otterloo levar à abertura de um processo contra Mentor no STF, poderemos ficar sabendo se tudo o que se falou sobre as lambanças da CPI do Banestado era verdade ou não. Que quase tudo era mais do que verossímil, não há dúvida nenhuma. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quinta-feira, abril 27, 2006
O passado que reaparece
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