Míriam Leitão - Fora da Bolívia |
Panorama Econômico |
O Globo |
25/4/2006 |
Amanhã a empresa brasileira EBX, do empresário Eike Batista, vai comunicar que, "atendendo ao convite do presidente Evo Morales", deixará a Bolívia. "Oficialmente não fomos convidados a sair, mas temos lido nos jornais as declarações das autoridades. Como o investimento é modulado, podemos transferi-lo para o Brasil ou outro país", disse Eike Batista. O empresário contou que a Bolívia quer o controle do capital da empresa. "A estatização nós não queremos." O projeto tinha duas etapas. Na primeira, seriam instalados quatro fornos para a fabricação de ferro-gusa. Dois estão prontos. Num segundo momento, seria instalada uma siderúrgica que produziria 400 mil toneladas/ano de aço. Como a Bolívia inteira consome apenas 180 mil toneladas, o aço seria exportado. — Nós colocaríamos a Bolívia no mapa da exportação de aço. Hoje o país não exporta. Iniciamos o investimento no governo anterior, mas achávamos que estávamos dentro do projeto do presidente Morales, que é o de agregar valor à matéria-prima boliviana. A Bolívia se sente explorada pelos estrangeiros que levam sua matéria-prima. Foi assim no passado, com a prata e o estanho. Compreendo este sentimento, mas nós iríamos agregar valor e exportar — diz Eike. Ele garante que não atacará o meio ambiente da Bolívia. O projeto era de usar como combustível 20% de gás, 10% de coque importado da Colômbia, 70% de carvão vegetal. Carvão vegetal significa desmatamento. Mas o que a empresa explica é que aquela região, pelo planejamento do governo, teria que preservar 82% da floresta e 18% da área é destinada ao uso agropecuário. Para fazer essa utilização, os moradores da região estão queimando a floresta. A utilização da madeira como carvão vegetal seria mais lucrativa e eficiente. Numa segunda etapa do projeto, o carvão vegetal viria de plantações de eucalipto. A empresa produziria 13 milhões de mudas por ano. — Fazer um empreendimento ecologicamente correto é mais caro, mas dá para fazer. Os ambientalistas têm razão, o mundo está ameaçado. No nosso empreendimento, dos US$ 150 milhões investidos, US$ 30 milhões serão na área ambiental: no projeto, a água é toda reciclada, 100% dela chega limpa, sem resíduos, à rede fluvial. Todos os gases são reutilizados, como energia, inclusive. A floresta está sendo queimada, por isso estamos oferecendo uma outra utilização, mais nobre, à madeira, respeitando o limite de 18%. Depois usaremos eucalipto. Sei que a imagem de ferro-gusa é de uma indústria suja, mas a nossa é limpa — defende-se o empresário. A empresa mandou os documentos necessários para a licença ambiental e ainda não recebeu resposta, mas diz que tem licença ambiental para se instalar no local dado pela Zona Franca da região. O problema é que as autoridades da Zona Franca e o governo Evo Morales são adversários. O governo atual reage também a tudo o que foi negociado com o governo anterior. — É preciso ser dito: o governo Morales está quebrando contratos. Agora acenam com um acordo que nos induziria a aceitar que 51% do empreendimento ficassem com o governo boliviano. A estatização não nos interessa. O conflito vai continuar porque a trégua dada pelos movimentos sociais reunidos no Comitê Cívico de German Busch, que luta pela permanência da empresa brasileira no local e que, em protesto, chegou a fechar a fronteira com o Brasil, termina na quinta-feira. Quando acabar essa trégua, a fronteira será novamente fechada. A situação se agravou na semana passada quando esses manifestantes seqüestraram três ministros do governo Morales. Uma das seqüestradas, Celinda Sosa, ministra da Produção, numa entrevista ao jornal "La Razón", disse que os manifestantes a ofenderam e jogaram água nela e nos outros ministros. Ela culpa a empresa, diz que havia funcionários da EBX entre os manifestantes e também culpou a companhia pelo atraso no envio dos papéis. — O que eu posso dizer quanto a isso é que a empresa não seqüestra pessoas, que os documentos foram todos enviados e que, desde o início do empreendimento, operamos com as licenças de instalação. Porque não temos ainda a licença ambiental para operar, não colocamos em funcionamento os dois fornos já prontos. Estamos na Bolívia, temos que respeitar as leis bolivianas, nunca pensamos o contrário — afirmou Eike. Ele conta que a empresa, nesta primeira fase de implantação, já fez vários investimentos em ações de responsabilidade social: — Há um problema na região, acho que pela qualidade da água, que produz muita doença de visão. Fizemos exames oftalmológicos em dez mil bolivianos, já construímos escolas, financiamos a construção de poços artesianos. Só na produção de carvão vegetal e depois no reflorestamento vamos empregar cinco mil pessoas. É por isso que os moradores querem que o empreendimento fique. Outras empresas que estão na Bolívia estão muito pessimistas. Uma delas, de capital não brasileiro e que tem um alto investimento no país, disse-me ontem que a avaliação feita pela sua direção mundial é a mais pessimista possível. Na Petrobras, a preocupação é com o decreto que o governo promete baixar sobre a nacionalização do gás. Se for mesmo na linha de transformar os investidores em prestadores de serviço, o que fará a Petrobras que já disse que isso ela não aceita? A crise na Bolívia, informou uma fonte que tem acompanhado o tema, está deixando o governo brasileiro irritado com o venezuelano: são funcionários da PDVSA que têm assessorado o governo boliviano no ataque aos investimentos de outros países, inclusive da Petrobras. |
Entrevista:O Estado inteligente
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