No último dia 7, o PT divulgou na Internet (www.pt.org.br) as "Diretrizes do Programa de Governo para a Campanha de 2006". É impressionante como as antigas e equivocadas idéias continuam lá. Mais de três anos de gestão macroeconômica responsável não foram suficientes para acordar o partido. Análises sobre as velharias do texto foram feitas por Cristiano Romero (Valor, 12/4/2006) e Celso Ming (Estado, 12 e 13/4/2006). Tentarei comentar algo mais.
As "diretrizes" podem refletir visões radicais ainda prevalecentes na Comissão Política do Diretório Nacional. O texto definitivo seria outro depois de discutido e aprovado no 13º Encontro Nacional do PT, no fim deste mês. Seja como for, o documento mostra a dificuldade de muitos petistas entenderem a realidade.
Abandonar certos mitos não é fácil. Na Europa, demorou muito para que os partidos ditos de esquerda se livrassem das idéias marxistas e keynesianas (pelo menos a forma como entendiam Keynes). A caminhada para aceitar (ou tolerar) a economia de mercado e afugentar políticas fiscais expansivas levou tempo. No Reino Unido foram mais de 15 anos e um pouco menos em países como Alemanha, Espanha, Suécia e Itália.
Assistiu-se ao esmaecer das fronteiras entre direita e esquerda. Deixou-se de prometer mudanças na política econômica e de advogar o intervencionismo estatal do passado, com a notável exceção da França. Ficou difícil diferenciar propostas, o que causa virtuais empates técnicos nas eleições, como aconteceu na Itália e na Alemanha. Essa realidade chegou nos EUA e no Canadá. Pôs um pé na América Latina, via Chile.
O PT vive uma compreensível transição inacabada. Afinal, faz apenas quatro anos que Lula e uma pequena parte do PT perceberam que haveria a quarta derrota consecutiva se fosse mantido o programa de governo aprovado em dezembro de 2001, o qual falava em ruptura. Preferiram emitir a Carta ao Povo Brasileiro para sinalizar o compromisso com a preservação da política econômica.
A transição inacabada, a cegueira ideológica e a desonestidade intelectual provocam afirmações como a de que "o governo Lula se constituiu em meio a uma grave crise do capitalismo brasileiro". Até as pedras sabem que houve uma crise de confiança provocada pelo receio de que, uma vez no poder, Lula retornasse às velhas idéias.
Os itens 22 a 25 das "diretrizes" são um primor. Além de criticar a política econômica, à qual Lula deve os resultados que comemora, diz-se que o governo conduziu "a transição de um paradigma neoliberal para outro padrão de desenvolvimento". Como se viu, Lula ampliou a ortodoxia (neoliberal?) ao notar que precisava eliminar o déficit de confiança do início do seu governo. Por causa disso, tem recebido merecidos elogios de veículos da mídia mundial, como o Le Monde, o Financial Times e a The Economist.
O item 30 é imperdível. Afirma que a redução da vulnerabilidade externa da economia decorreu da "projeção político-diplomática do Brasil no mundo", que inclui o impulso dado a um imaginário eixo Sul-Sul, o qual definiu "fortes relações com a África do Sul, Índia, China e Rússia". Esse eixo explica pouco ou nada do êxito do comércio exterior. Além disso, os três últimos países, os mais importantes do "eixo", estão situados no hemisfério Norte. Na verdade, a diplomacia terceiro-mundista de Lula não tem feito jus às tradições de competência e independência do Itamaraty, conforme mostrou o embaixador Rubens Barbosa em contundente artigo (Estado, 11/4/2006).
Para as "diretrizes", o crescimento é uma questão de fé. "O Brasil crescerá em forma acelerada, em níveis qualitativos superiores aos das duas últimas décadas." Como? Mediante avanços na estrutura de financiamento do investimento, "especialmente dos bancos públicos federais" e por ações para promover "o retorno de capitais rentistas ou especulativos para a esfera da produção". Puro vento. Nenhuma palavra sobre as graves questões estruturais que explicam o baixo crescimento do País. Louva-se o fim da privatização.
Mesmo que o PT aprove as "diretrizes", os mercados sabem que Lula segue mais a intuição do que as idéias de seus companheiros. Elas serão apenas a prova do quanto o PT tem de evoluir para se tornar um partido moderno e competitivo, que não dependa tanto do carisma de seu líder máximo.