Merval Pereira - As dores do parto |
O Globo |
26/4/2006 |
O Azerbaijão, tornado independente em 1991 com o colapso da União Soviética, ainda é um país em busca de sua identidade nacional. Com forte herança islâmica, é uma democracia ainda teórica, um estado secular que pretende vir a ser regido pela regra da lei, mas que ainda depende firmemente da liderança pessoal do seu fundador Haidar Alyev, que faleceu recentemente, mas que indicou para seu lugar na presidência do partido majoritário o filho Ilham Alieyev, atual presidente da República. Mas é a figura do pai que está em todos os lugares do país, e é o culto à sua personalidade, que foi membro do Politiburo soviético e único não russo chefe da KGB, que dá o fio condutor a essa república incrustada entre várias potências regionais ( Irã, Turquia, Rússia) e que tem no petróleo seu grande trunfo politico. As diferenças de visões entre sua elite política ficaram claras em uma das mesas-redondas, onde, um após outro, o chefe do Comitê de Estado para o Trabalho e a Religião, Rafig Aliyev; o membro da Academia Nacional de Ciência, professor Vasim M. Mamedaliyev, e o vice-presidente do partido do governo e membro do Parlamento Azeri, Mubariz Qurbanli, desfilaram entendimentos muito próprios, e freqüentemente contraditórios entre si, não apenas sobre o futuro do país, como também sobre o diálogo entre as civilizações e o fenômeno da globalização, suas implicações econômicas e culturais. Mubariz Qurbanli, representando o ponto de vista oficial, ressaltou o fato de que o Azerbaijão é membro do Conselho da Europa, tem estreitas relações políticas e econômicas com os Estados Unidos, ao mesmo tempo em que tem forte atuação no mundo islâmico. "O diálogo das civilizações deve ser útil às nações, unificar e enriquecer as culturas, inspirar organizações internacionais a resolver os problemas da humanidade", discursou Qurbanli. Ele criticou a visão pessimista do Ocidente, que identifica os defeitos da incipiente democracia azeri e cobra providências ao governo, desde o respeito aos direitos humanos até um sistema político onde as minorias sejam mais bem representadas. Ele disse que essa pressão pode ser até mesmo contraproducente, num país que ainda está se organizando politicamente, e não pode agir com a mesma rapidez sem colocar em risco os avanços já alcançados. Dentro do ponto de vista oficial, Qurbani reagiu com indignação à referência à guerra civil entre armênios e azeris, afirmando que o que houve foi um ataque ao Azerbaijão, que teve parte de seu território ocupado ilegalmente por forças invasoras. Também com uma visão oficial, mas oferecendo um projeto de país onde a religião tem papel importante, Rafig Aliyev resumiu o modelo de Azerbaijão moderno tentado inicialmente com as palavras "nacionalismo, turquismo e islamismo": Segundo sua análise, o modelo não deu certo porque o nacionalismo deu lugar a um agressivo separatismo — se referindo à disputa territorial com a Armênia, que ocupou pela força parte do território azeri. O "turquismo" dissolveu o "azerbaijanismo", que seria, na sua visão, um necessário nacionalismo; e o islamismo interferiu nas questões do Estado. Nos últimos dez anos, a experiência do Azerbaijão tem sido, segundo Aliyev, o de um estado unitário secular, centrado nos interesses nacionais, e nos valores morais das religiões. Segundo Aliyev, uma interação entre esses elementos complementares na consciência da população pode criar "um conforto social e psicológico, ajudando a um desenvolvimento harmonioso do indivíduo e da sociedade". O ponto de vista mais fortemente religioso e radical sobre o novo estado do Azerbaijão veio de onde menos se poderia esperar: da Academia Nacional de Ciências. O professor de filologia Vasim M. Mamedaliyev se utiliza do que classifica de "estudos cuidadosos" sobre a globalização que teriam sido feitos por "modernos cientistas islâmicos", para criticar severamente as conseqüências desse processo, que seria apenas uma maneira de o Ocidente, especialmente os Estados Unidos, ampliarem sua dominação no mundo. Esses cientistas, de países como Arábia Saudita,Tunísia, Irã, Líbano, Síria, Argélia e Índia chegaram à conclusão de que a globalização, que chamam de "americanização" ou "macdonaldização", é uma ameaça de que costumes e tradições nos países não-ocidentais possam ser destruídos, e contribui para que culturas locais e tradições sejam substituídas por tradições e estilo de vida europeus dissolutos. Os cientistas muçulmanos consideram a globalização, segundo Mamedaliyev, "uma forma de destruição do Islã e propaganda do Cristianismo". Para se contrapor a essa situação, os cientistas muçulmanos propõem que sejam espalhados no mundo islâmico termos como "globalização islâmica" ou "universalização do Islã". A competição com a globalização requereria, para esses cientistas, a criação de um mercado comum do mundo islâmico para administrar uma política comum de preços do petróleo, especialmente para os países árabes, em vez de competir dentro do capitalismo. Uma espécie de ordem econômica islâmica, baseada no Corão e na Shariat. Para implementar tal programa, seria preciso primeiramente, afirma Vasim M. Mamedaiyev, estreitar a cultura muçulmana com base nos valores morais islâmicos. Dificilmente essa proposta prosperará, mas ela demonstra com clareza que a idéia de uma convivência de várias religiões e o diálogo das civilizações, embora prevaleça na sociedade do Azerbaijão, ainda está longe de ter o consenso. |
Entrevista:O Estado inteligente
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