A crise é institucional |
Artigo - Octaciano Nogueira |
Correio Braziliense |
26/4/2006 |
Comentando a denúncia do procurador-geral da República sobre "a organização criminosa que tinha como objetivo garantir a continuidade do projeto de poder do PT", o ministro da Justiça concluiu, em declaração à imprensa, que a peça acusatória "mostra que as instituições estão funcionando". Com todo o respeito que merece S. Exa., com o seu passado de grande criminalista, o que a denúncia comprova é exatamente o contrário. Se estivessem funcionando, o maior espetáculo de delinqüência coletiva que o país já viveu não teria ocorrido. No dia 19 de setembro de 2004, a poucos dias das eleições municipais e oito meses antes de estourar o escândalo do mensalão, a imprensa publicou que "o presidente do PTB, deputado Roberto Jefferson, reconheceu ontem que há insatisfação no partido com a falta de apoio financeiro do PT para a campanha municipal petebista". A notícia adiantava que, "de acordo com a revista (Veja), o ministro José Dirceu participou da negociação". E completava: "Ontem, em Curitiba, ele não quis comentar o caso", mandando que os repórteres se dirigissem ao presidente do PT, o ex-deputado José Genoino. Todos os detalhes, mesmo os mais escabrosos, foram tornados públicos pela Veja, em sua edição de 22 de setembro daquele ano. Na semana seguinte, dos mesmos autores da reportagem sobre o acordo PT/PTB, nova denúncia: "A suspeita de que o PT trocou argumentos políticos por moeda sonante em outro episódio está numa fita cassete que registra uma reunião do PSDC realizada em 10 de junho do ano passado em São Paulo". A oferta, segundo a reportagem, teria sido de R$ 500 mil, "em três parcelas, as duas primeiras de R$ 150 mil e a última de R$ 200 mil". Na época houve pelo menos três pedidos de investigação à Justiça Eleitoral subscritos pelo PSDB, pelo PFL e pelo PDT, enquanto o PPS, em nota conjunta com o PDT, criticou "a intervenção do núcleo central do governo na vida dos partidos políticos" e advertiu "que a força do poder e do dinheiro não pode nunca tomar o lugar do convencimento e da lealdade". Já tinha tomado. Os detalhes da trama que se urdia, inclusive a indicação por Delúbio Soares da pessoa que ia suprir o dinheiro acordado entre as partes, tornaram-se públicos. O então presidente da Câmara, João Paulo Cunha, citado nos entendimentos espúrios, recusou-se a falar e hoje sabe-se porque. Onde estavam as instituições direta ou indiretamente responsáveis pelas apurações? A Câmara, por exemplo, cujo presidente estava envolvido no complô? E seu Conselho de Ética? O Ministério Público ocupava-se de quê? E a Polícia Federal? Foi exatamente por inépcia das instituições que o escândalo só começou a ser apurado depois que um dos meliantes resolveu denunciar o resto do bando. Pelo menos nos últimos 20, dos 40 anos de sua exemplar vida pública, o atual senador e ex-vice-presidente Marco Maciel vem sustentando que, mais do que reforma política ou eleitoral, o que o país necessita é aprimorar suas instituições, para adequá-las às exigências e reclamos de toda a nação. Com a autoridade de quem participou dos entendimentos e, na qualidade de presidente da República em exercício, sancionou a Lei dos Partidos (9.096/95) e a Lei Eleitoral (9.504/97) atualmente em vigor, ele vem pregando, obstinadamente, que é preciso repensar o papel do Estado, reformular o modelo federativo e rediscutir as principais instituições do país, para evitar a sucessão de crises políticas que periodicamente contaminam a economia e as intermitentes crises econômicas que têm afetado tão duramente o sistema político. Num dos últimos discursos sobre os temas institucionais que tem abordado com a serenidade que fez dele uma referência ética da vida política nacional, o senador lembrou a distinção que separa o critério da legitimidade do requisito da legalidade, assinalando que, sem atender a ambos, simultaneamente, falece necessariamente a autoridade. Pode até não ter sido essa sua intenção, mas é lícito até supor que estava dando um recado ao atual governo, cuja conduta parece cada vez mais distante do princípio republicano que torna o chefe de Estado, no regime presidencialista, responsável pelos atos dos subordinados de sua estrita confiança. A constante invocação de ignorância da conduta de integrantes da quadrilha aos quais delegou poder para agir em seu nome e em nome de seu governo, pode torná-lo se não cúmplice, pelo menos conivente com a sucessão de escândalos que, por falta de autoridade, não soube, não pôde ou não quis coibir. |
Entrevista:O Estado inteligente
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quarta-feira, abril 26, 2006
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