Governo e oposição brigam, mas não informam o que pretendem a partir de 2007
Desde a retomada plena da democracia, com a eleição presidencial de 1989, bem ou mal todas as campanhas presidenciais foram regidas por alguma idéia-força em torno da qual se mobilizou o eleitorado: Fernando Collor apresentou-se como o combatente dos privilégios representados nas figuras dos "marajás", Fernando Henrique Cardoso tinha o plano de estabilização econômica, a recuperação da moeda e o combate à inflação, Luiz Inácio da Silva se elegeu na onda da esperança da "mudança" ampla, geral e irrestrita.
Deixando de lado o juízo de valor sobre as conseqüências e a consistência de cada uma delas, havia o fato de traduzirem idéias. Diziam ao eleitorado quais eram suas pretensões uma vez conquistado o poder.
Nada disso foi dito de última hora. Nesta altura do jogo, menos de seis meses antes das eleições, todos tinham muito bem delineadas suas linhas de ataque.
Na atual campanha isso não ocorre. Ocupados com a guerra dos escândalos, o governo dedica-se a se defender e a oposição se empenha em tempo integral nos ataques e nenhuma das forças em movimento cuida com esmero das respectivas campanhas.
Prova disso é que nem PT nem PSDB têm suas equipes eleitorais estruturadas e os articuladores cogitados até agora são todos do segundo time de ambos os grupos.
Natural até certo ponto - porque a crise tomou tempo e conta da cena -, a situação de ausência absoluta de proposições objetivas a respeito do que os postulantes à Presidência pretendem fazer com o País a partir de janeiro de 2007 pode reduzir a campanha a uma simples briga entre partidos de governo e oposição.
Um plebiscito de aprovação ou desaprovação do governo Lula ou um campeonato para saber quem é mais ético, o menos imoral, e mesmo o palavrório em defesa do desenvolvimento e da queda da taxa de juros, convenhamos, fazem do cenário eleitoral um deserto cheio de homens sem idéias.
Na impossibilidade de vender de novo a esperança, Lula, dizem seus aliados, tentará pedir ao eleitor a renovação do cheque em branco para garantir a "continuidade" do projeto. Qual mesmo, não se sabe nem nunca se soube.
O PMDB fez um plano de concepção nacional-desenvolvimentista que de tão referido numa realidade passada não conseguiu reunir apoios suficientes dentro do partido para deflagrar algum debate. Na verdade, o que se tem do PMDB como proposta por enquanto é nada mais que a discussão sobre a melhor forma de continuar grande e forte para assegurar poder regional e garantir presença em alguns lotes da administração federal.
No PSDB, que ganhou duas vezes a Presidência a bordo de uma proposta sem sombra de dúvida substantiva, talvez por isso mesmo a carência de idéias se sobressaia de forma mais evidente. Partido de gente bem pensante, até agora não conseguiu encontrar um rumo, um discurso com começo, meio e fim capaz de transformar Geraldo Alckmin no escoadouro dos decepcionados com Lula e dos eleitores de José Serra em 2002.
O tucanato está afiado na crítica ao governo - o que não é vantagem, dada a amplitude de material à disposição -, mas não tem avançado além disso. Alckmin por enquanto se apresenta ao eleitorado como um candidato correto, ex-governador bem avaliado, um sujeito comportado, bem posto e presumidamente um eficaz gerente.
É alguma coisa ante a realidade atual? Não deixa de ser, mas também pode vir a ser pouco, a depender dos anseios da população.
Não se trata de cobrar "emoção" no debate eleitoral, porque esta há em abundância. Falta exatamente a racionalidade, a objetividade, ou mesmo a tradução da demanda popular numa idéia-força que leve a discussão adiante e evite que a campanha de 2006 seja uma simples repetição dos embates políticos de 2005.
Com isso, o PSDB pode até "desconstruir" a imagem de Lula, mas só com isso não consegue construir uma proposta para o País, clara e consistente o bastante para levar o brasileiro a desejar ver o partido mais quatro, ou oito, anos no poder. Vai ficar girando na lógica da crítica pela crítica, arriscando-se a não sair do lugar.
Em resumo, ao governo se impõe o desafio de convencer as pessoas a repetir a dose e aos adversários apresenta-se a tarefa de mostrar que, uma vez devolvido o PT à oposição, há algo de melhor para substituir "isso tudo que está aí".
Santo de barro
O PSDB já percebeu: capitanear qualquer proposta de impeachment agora contra o presidente Lula é dar ao governo argumento para acusar a oposição de tentar "melar" a campanha eleitoral por se sentir desde já derrotada. A metáfora futebolística de fácil compreensão popular seria a da vitória no "tapetão".
Os partidos estão achando melhor deixar o assunto nas mãos da OAB, que não tem nada a perder.
Além do mais, quem vislumbra a possibilidade de voltar em breve ao poder não considera producente investir com excessivo afinco nesses assuntos de impedimentos presidenciais.