Caiu a ficha. Lula sonha ser o pai do novo social-nacionalismo brasileiro. Premeditado ou não, o gesto de sujar as mãos de óleo, como fez Getúlio Vargas, que comandou a campanha "o petróleo é nosso", no início dos anos 1950, revela que o verniz populista do passado continua brilhando na cabeça do ex-sindicalista presidente. Os últimos acenos presidenciais foram ricos da simbologia varguista. Basta ver Lula atirando loas em direção ao MST e invectivas contra fazendeiros, que chamou de caloteiros em discurso no Rio Grande do Sul. Em seu primeiro governo, o ditador deu força aos trabalhadores rurais, incorporando-os à organização sindical. No segundo governo, Vargas incorporou os trabalhadores urbanos à política, nomeando sindicalistas para a direção de institutos, a ponto de ser acusado de querer instalar a República sindicalista. Já o metalúrgico que chegou à Presidência depois de anos dizendo que a CLT era o AI-5 dos trabalhadores patrocina, hoje, um dos mais sorrateiros ensaios para endurecer a legislação trabalhista, sujeitando-a aos caprichos de sindicalistas que tomaram conta da estrutura encarregada de administrar as relações do trabalho.
A sinalização mais clara nesse sentido é um projeto polêmico sobre a terceirização de serviços que o Ministério do Trabalho prepara para pôr em discussão no âmbito das centrais sindicais, que passam a ser reconhecidas oficialmente pelo governo. Como se sabe, o universo produtivo encontrou nos serviços terceirizados a ferramenta apropriada para alcançar as metas de produtividade e qualidade a custos compatíveis. No Brasil, esse campo é regulamentado pela Lei 6.019/74, que trata do trabalho temporário, e pelo Enunciado 331/93 do Tribunal Superior do Trabalho, que define atividade-meio e atividade-fim das empresas. O governo FHC, dando vazão à tendência de descompressão das relações de trabalho, que se observa em todos os quadrantes mundiais, deu ele mesmo o exemplo, enxugando a estrutura administrativa com o corte de 8,6% do número de servidores ativos (47 mil postos a menos). O governo Lula recompôs a base com a criação de 40 mil cargos.
O que está por trás disso? A pergunta inquieta o empresariado. A sensação é de que o País caminha na contramão da tendência de desregulamentação do emprego. Nos EUA e no Reino Unido, com o emprego menos regulamentado e impostos mais baixos, o desemprego é menor. O receio é que o Brasil queira imitar a França, onde uma generosa legislação trabalhista é responsável pela estagnação da economia e por uma taxa de desemprego que ultrapassa a casa dos 40% para os jovens de 18 a 25 anos das grandes cidades. Mas há casos exemplares na Europa, como o da Espanha, onde uma radical flexibilização da legislação trabalhista fez cair a taxa de desemprego, que há dez anos era de 25%, para os atuais 8%, abaixo da média européia. Essa política se ampara na idéia de que para diminuir o desemprego urge dividir o emprego existente entre o maior número de trabalhadores. Dessa forma, é melhor mais pessoas trabalhando e ganhando menos do que menos pessoas trabalhando e ganhando mais. A palavra flexibilizar, porém, deixou o dicionário petista desde que as amarras sindicais ao Estado passaram a encher os cofres.
A meta petista-lulista de resgatar o Estado paquidérmico tem que ver com a visão vertical de ocupação do poder. Nesse ponto, vale lembrar a denúncia do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, de que uma "sofisticada quadrilha" a serviço do PT estaria operando a máquina do Estado. Parece lógico aduzir que o ardor com que parcela do sindicalismo avança sobre a máquina gera suspeita de que a meta de partidarização do Estado continua acesa. Além do programa de desterceirização e das reformas sindical e trabalhista, cuja discussão será interrompida pelo embate eleitoral, o pacote na área trabalhista abrigaria, ainda, o combate duro a programas de formação do jovem, a partir do estágio, modalidade educacional inserida na Constituição, mas considerada como meio de precarização do trabalho na ótica de membros do Ministério Público do Trabalho. Como se sabe, o programa Primeiro Emprego do governo Lula fracassou. Cumpriu apenas 0,55% da meta de atingir 780 mil jovens em três anos. Daí não se entender por que o governo, em vez de fomentar, dá combate a formas já consagradas para inserir o jovem no mercado de trabalho.
Até parece que, perto de concluir o mandato, Lula se esforça para vestir o macacão de metalúrgico. Se a vã filosofia não explica, talvez a sábia psicologia mostre as razões para a profunda imersão de seu governo no corporativismo sindicalista. Poderia ser, por exemplo, uma forma de purgar os pecados de que é acusado, entre eles o de adotar um modelo neoliberal mais rígido que o de seu antecessor. Poderia ser, ainda, uma estratégia para se reaproximar de blocos que dele se apartaram. Ou simplesmente a tática getulista de falar para as massas, ignorando o meio da sociedade e as instituições. Seja qual for a intenção presidencial, o fato é que a encenação litúrgica em torno desse social-nacionalismo de proveta não passará batida pelo crivo de núcleos com assento na mesa de decisão, inclusive o setor político.
Lula é um comunicador capaz de expressar sandices sem passar recibo e cometer gafes sem perder o rebolado. Como mágico, junta contrários, água e óleo, pontos e contrapontos, avanço e retrocesso, modelo econômico liberal e modelo trabalhista/sindicalista autoritário. Até aí, tudo bem. Mas brincadeira tem limites. Se a foto das mãos lambuzadas de óleo tentou sugerir subliminarmente às massas que foi dom Luiz Inácio Lula da Silva, pernambucano, que descobriu o petróleo no Brasil, outra imagem foi sublinhada, desta feita pelos internautas. Ao lado da ilustração, um texto maldoso falando sobre a ameaça de "mais quatro anos de mãos sujas".
Quem com óleo brinca com óleo será queimado.