Entrevista:O Estado inteligente

domingo, abril 16, 2006

Miriam Leitão Calma aparente

O GLOBO


O Copom vai cortar de novo os juros esta semana, no mesmo ritmo de antes, os mesmos 0,75 pontos, apesar da troca de ministros. Olhando para a economia, há espaço para a queda dos juros. Os indicadores são todos excelentes. Na política, no entanto, aumentam os riscos e a incerteza. Muita gente se pergunta até quando a economia pode ir bem no meio de uma tormenta política. Infelizmente não dá para manter política e economia em compartimentos estanques.

Os temores começam a se acumular. "Mas o que de fato preocupa é que os gastos públicos, concentrados em transferências previdenciárias, assistência social e despesas de custeio, continuaram aumentando em termos reais no primeiro bimestre, mesmo sem o novo salário-mínimo, o que vem gerando dúvidas sobre o cumprimento da meta fiscal", diz o informativo do fim da semana do Banco Itaú. O Bradesco trouxe a mesma preocupação, mas acha que ainda não está ameaçada a meta fiscal. O cientista político Alexandre Marinis acredita que o governo tem plena condição de cumprir a meta, mas que será mais difícil do que muita gente do mercado acha.

Piores são os sinais de médio prazo de que, se tinha algum desejo de disciplinar este aumento de despesas, o governo abriu mão disso. A nova LDO retirou os limites de aumento de despesa que estavam sendo incluídos no orçamento na época do ministro Antonio Palocci para que no futuro se pensasse em redução da carga tributária.

Os dados dos gastos públicos parecem bons para quem vê apenas o cumprimento da meta de superávit primário. Mas quem olha por dentro vê que esse cumprimento da meta depende basicamente do aumento de receita, que está, ainda, conseguindo neutralizar o efeito do crescimento da despesa.

A inflação deve cumprir sua meta para o ano. Ela subiu um pouco no primeiro trimestre, 1,44%, mas uma grande parte está concentrada em álcool, tarifas de transporte e custos da educação que pesam no começo do ano. Tirando esses três efeitos, a inflação do primeiro trimestre anualizada dá apenas 2%.

Agora deve entrar a safra de cana, o que reduzirá o impacto do combustível na inflação. Outras culturas também serão colhidas nesta época e derrubarão ainda mais a inflação dos alimentos. As projeções do mercado para a inflação em 2006 estão ficando abaixo da meta, no IPCA.

Os dados dos IGPs são impressionantes. Na semana passada, a FGV divulgou que o índice nos primeiros dez dias de abril mostrou que o IGP-M acumula, em doze meses, uma deflação de 0,93%. Nestes doze meses, a alta dos preços agrícolas no atacado, o IPA agrícola, mostra uma deflação de 13,4%.

O verso negativo dessa boa notícia é que a renda dos agricultores tem caído muito. A boa notícia é que o país está com possibilidade de crescer sem efeito inflacionário. Até porque, como informa o Bradesco, no seu boletim: o hiato de produto, ou a chance de crescer sem pressão inflacionária, permite que os juros continuem caindo nos próximos meses.

Outro ponto que surpreende positivamente é a balança comercial. As exportações continuam aumentando, o saldo continua batendo recordes e o superávit de balanço de pagamentos continua alto, apesar da valorização da moeda.

Mas há riscos à volta deste quadro aparentemente tranqüilo. Um deles é externo. O petróleo voltou a subir, o enfrentamento entre Irã e Estados Unidos está cada vez mais tenso, as taxas de juros americanas continuam subindo. Não há qualquer grande risco à frente, mas a situação é menos tranqüila do que era tempos atrás. O Brasil tem bons indicadores para enfrentar problemas externos, melhores do que jamais tivemos, mas o ciclo de bonança externa pode estar começando a acabar e nós ainda nem aproveitamos. Há chances de o país crescer este ano mais que no ano passado, mas continuará bem abaixo do mundo.

O que é mesmo assustador é a deterioração política que se agrava a cada semana. O governo e o partido do governo sempre parecem estar improvisando na resposta. A primeira reação à denúncia apresentada pelo procurador-geral da República contra 40 integrantes e ex-integrantes do governo foi dizer que era uma prova do bom funcionamento das instituições. Na quinta-feira, a nota do PT já tinha outro tom: criticava o procurador e a imprensa. Segundo a nota, a imprensa erra quando tenta imputar ao partido atos cometidos "por membros ou dirigentes". Os erros só seriam do PT se fossem "decididos pelas instâncias partidárias". Ora, as pessoas denunciadas pelo Ministério Público ao Supremo Tribunal Federal eram os mais altos dirigentes partidários. Apesar de os maus atos terem sido praticados por ministros e auxiliares diretos do presidente, Lula diz que é o PT que tem que se explicar; diante das acusações contra todos os altos dirigentes do partido, o PT diz que não eram decisões tomadas pelas instâncias partidárias. Está faltando um ectoplasma para assumir a culpa pelos maus feitos, já que não são o governo, nem o PT os responsáveis pelo escândalo.

A tentativa do presidente da República de se eleger em meio a essa devastadora crise política pode levá-lo a fazer novas concessões fiscais que lhe garantam algum apoio. Os agricultores tiveram um pacote de ajuda e, em breve, terão outro. O governo já desistiu de qualquer balizamento futuro para disciplinar o aumento das despesas. Se ceder e socorrer a Varig, estará abrindo a temporada de caça ao Tesouro.

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