EDITORIAL DA FOLHA
Formação de quadrilha. Corrupção ativa e passiva. Lavagem de dinheiro e peculato. No âmago do governo Lula, formou-se uma organização criminosa com vistas a manter-se no poder.
Não são frases de algum oposicionista enraivecido, e sim do relatório elaborado pelo procurador-geral da República, formalizando denúncia contra os responsáveis pelo mensalão. Entre eles, o então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, o das Comunicações, Luiz Gushiken, os três principais dirigentes do Partido dos Trabalhadores, o então presidente da Câmara dos Deputados e um ex-diretor do Banco do Brasil.
Só uma quadrilha? Ou mais de uma? Também o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci e o grupo capitaneado por ele enredam-se numa outra coleção de acusações policiais.
"É forte", declarou Lula ao saber da denúncia apresentada pela Procuradoria. "É fraca. É fraquíssima", pode-se dizer dessa declaração. Mais do que nunca, o presidente Lula deve explicações à sociedade brasileira. Desde o início da crise, refugia-se num silêncio calculado, de vez em quando interrompido por esparsas evasivas, contradições flagrantes e vagos desabafos sentimentais.
"Fui traído", disse ele mais de uma vez. Mas por quem? Lula foi prudente em não citar nome nenhum: muitos ainda não eram do conhecimento público quando a frase foi pronunciada pela primeira vez; a lista, até hoje em aberto, poderia sem dúvida fornecer diversos novos candidatos ao indiciamento criminal.
O presidente não sabia de nada? "O importante", afirmou numa famosa entrevista em julho de 2005, "não é se você sabia ou não, porque, se eu tivesse condições de saber, não teria acontecido".
Na melhor das hipóteses, o escândalo dá agora a esse esfarrapado silogismo o caráter da mais preocupante confissão de descuido e desinteresse pelas atribuições inerentes ao cargo de chefe do Executivo.
Naquela ocasião, Lula recorria apenas ao truque vocabular de referir-se a hipotéticos "erros" cometidos por seu partido: "o PT, se cometeu erros, tem que explicar para a sociedade brasileira que erros cometeu".
Mais do que erros, entretanto, é o que Lula tem de explicar agora. "Já faz tempo que eu deixei de ser presidente do PT", prosseguia ele naquela entrevista, sintomaticamente gravada nos jardins de um certo "Museu do Ar", em Paris. "Depois que eu virei presidente da República, eu não pude mais participar da reunião do diretório do PT".
Mas participou, ao que tudo consta, de reuniões com ministros perto dos quais as figuras de um Delúbio Soares e de um Sílvio Pereira assumem o papel de aprendizes, de coadjuvantes, de bodes expiatórios numa farsa monumental.
Farsa de um governo eleito com a bandeira da "ética na política" e que tem, como principal recurso para provar sua inocência, o argumento de que todo o episódio do mensalão se resumiu a um caso de caixa dois -"o que é feito no Brasil sistematicamente", disse Lula, para corrigir-se meses depois. Trata-se "de prática condenada pela sociedade brasileira", afirmou finalmente, com tardia convicção. É a mesma convicção com que garantiu, em dezembro passado, que "a CPI vai terminar e eles não vão provar o mensalão".
Foram essas as certezas, foram essas as considerações do presidente da República ao longo da crise -extraídas a custo dos raros momentos em que se alçou ao dever civil de prestar contas pelo descalabro de seu governo. Nada mais se ouviu do presidente. Exceto o espetáculo da autocongratulação balofa, da banalidade conceitual e da defesa da própria ignorância -que não se resume ao tema de sua falta de instrução formal, mas àquele, muito mais grave, que diz respeito às façanhas de delinqüência organizadas em seu círculo mais próximo.
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