Nem bem começou o jogo das pesquisas e já se começa a apontar a incrível capacidade de Luiz Inácio de se desgrudar da crise como o fator decisivo capaz de lhe assegurar a reeleição. Muito cuidado com o superdimensionamento do teflon lulista. Há variáveis que não são flagradas e situações que, mesmo captadas por instrumentos de mapeamento social, induzem a erro quando projetadas para compreensão do futuro. Se mais da metade dos entrevistados de uma pesquisa (50,5% da amostra da pesquisa Sensus) considera que a corrupção aumentou no governo Lula e, mesmo assim, o presidente consegue liderança folgada em relação aos adversários, não significa que a posição se manterá quando a campanha ganhar as ruas. Assim como é possível que o candidato cresça mais na aprovação dos eleitores, é mais plausível a hipótese de queda quando se inserem na moldura analítica os desdobramentos da crise e a fervura da campanha.
Obviedades, mitos e inverdades cercam o universo das pesquisas, a começar da falsa idéia de que induzem o eleitorado. É até provável que, em grotões atrasados, onde se abrigam contingentes submetidos a intensa manipulação, pesquisas sejam usadas como mecanismos de persuasão, principalmente quando maquiadas pelo marketing inescrupuloso, voltado para mexer com as emoções. O desvio de função da pesquisa não é suficiente para confirmar a hipótese de indução eleitoral. Da mesma forma, não é consistente a observação de que quem sai na frente geralmente ganha o pleito. Collor de Melo era um ilustre desconhecido quando apareceu em cadeia nacional em 30 de março de 1989. O Brasil preparava-se para o ciclo "brizula", onda socialista liderada por Lula e Brizola. Em 18 de maio, no terceiro programa nacional, Collor liderava as pesquisas. Levou a melhor. Em 1994, Fernando Henrique começou atrás de Lula. Ganhou. Há inúmeros exemplos de candidatos a governos estaduais que, no início da campanha, pontuavam abaixo dos 5%.
A intenção de voto de um eleitor só é invariável quando inexistem fatores externos capazes de alterar os climas ambientais. Em 1998, ano sem impactos positivos ou negativos, Lula perdeu novamente para FHC, mas manteve estáveis os índices de voto durante toda a campanha. Já o tucano foi menos eficiente que em 1994, conseguindo apenas segurar a votação. Quem dá o tom do eleitor são as circunstâncias. Escolhe depois de avaliar o governante e ouvir a propaganda eleitoral dos candidatos. Lula consegue avaliação melhor que a de sua administração. O carisma funciona como escudo. Resistirá à força da propaganda contrária? É na campanha propriamente dita que os eleitores passam a enxergar de perto virtudes e defeitos dos candidatos, iniciando o processo de aceitação ou rejeição. E atenção: é mais importante ler pesquisa pela rejeição que pela taxa de aceitação.
Caso Lula consiga passear incólume pelo chumbo da artilharia eleitoral, pode-se dar ao luxo de encomendar, com antecedência, o traje da posse. Não é impossível, mas é difícil. Vejamos. A partir de julho, com a campanha na rua, dividirá a visibilidade com outros candidatos. Não terá inaugurações para discorrer sobre futilidades. Por mais banalizados que sejam os escândalos e que a corrupção seja vista como fatalidade da política, não há governante que resista a um bombardeio pesado quando seu governo é objeto de graves denúncias. Ainda mais quando a munição provém de fortalezas apolíticas como o Ministério Público. O devastador relatório do procurador-geral da República, Antonio Fernando de Souza, denunciando sofisticada organização criminosa criada para manter o PT no poder e com 40 membros acusados de quadrilha, é a pólvora que faltava nos canhões oposicionistas. Ao que se somarão as cenas de dólares em cuecas petistas, a humilhação imposta ao caseiro, as mentiras de Palocci e as arrumações atribuídas ao ministro da Justiça. O painel dos desmandos terá como pano de fundo os pífios resultados do crescimento do PIB.
O PT não assistirá impassível aos ataques. Brandirá feitos espetaculares. E não faltarão cartuchos de alto calibre contra Geraldo Alckmin, desde acusações envolvendo familiares até uso do caixa 2 pelo senador tucano Eduardo Azeredo. Lula tentará repaginar a identidade borrada para diminuir a rejeição, que suplanta a de Alckmin, cuja imagem está mais para o novo. Mas falta a este um discurso nacional. Anunciar que vai "chacoalhar as estruturas" é dizer nada. Para chegar ao segundo turno o tucano precisa alcançar, em meados de setembro, um índice entre 30% e 35%. E contar com Garotinho, candidato capaz de arrebanhar entre 15% e 20% dos votos. O PMDB terá, assim, um traço decisivo no mapa eleitoral. Recorde-se que Lula tinha 25% em março de 2002, 43% em maio, 33% em julho e, finalmente, 45% no final de setembro. Sua taxa média foi de 35%, com um potencial de voto constante. Ganhou num ano sem assombrações.
Uma inflexão também se faz necessária sobre o desempenho dos candidatos nas regiões. Com o Bolsa-Família Lula consegue chegar, hoje, a cerca de 70% dos votos do Nordeste. Mas as pesquisas do momento não conseguem ler a volatilidade do voto nordestino, a ser influenciado pelas campanhas estaduais. O voto emotivo é mais titubeante; o voto racional, mais seguro. Este voto mais consciente se localiza no Triângulo das Bermudas - São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais -, com 42% da votação, onde o palanque tucano teria mais vigas que o petista. Recorde-se, ainda, que a visão das classes sociais sobre os perfis muda bastante. Em 1994, os mais escolarizados estavam com Lula, enquanto FHC ficava com a turma de baixo. Hoje, os mais carentes locupletam a banda lulista. Mas calma lá. Naquele ano, a eleição foi influenciada por um impacto positivo, o Plano Real, que deu vitória a FHC. Este ano, a eleição será movida pelos reais do mensalão. Dois anos atípicos e seus impactos. É isso que as pesquisas detectarão no momento da franca exposição dos candidatos. Um pouco mais adiante.
Gaudêncio Torquato, jornalista,