O Globo |
1/2/2006 |
Uma das questões mais sérias com que se defrontam tanto Índia e China, as estrelas de Davos, quanto Brasil e Rússia, os quatro países que formam a sigla Brics e que estarão no topo da economia mundial nos próximos 50 anos, de acordo com um estudo da consultoria financeira Goldman Sachs, é a distribuição de renda. Tanto o governo da China quanto o da Índia aproveitaram a reunião do Fórum Econômico Mundial, encerrado domingo em Davos, na Suíça, para anunciar seus programas de desenvolvimento, que têm forte conotação na inclusão do maior número de pessoas no crescimento econômico. A China anunciou a intenção de dobrar o PIB nos próximos cinco anos, mas dobrar também o PIB per capita, que é hoje de apenas US$ 1 mil e não está nem na lista dos cem primeiros países, embora a economia chinesa já seja considerada por alguns critérios a quarta maior do mundo. O Brasil é a 15 economia do mundo, mas, em termos do PIB per capita, ocupa o 78 lugar. Em 2003, a renda per capita dos brasileiros foi de apenas US$ 2.789, semelhante à da Rússia e quase o dobro da da Índia. Porém, mesmo que os Brics (Brasil, Índia, China e Rússia) se tornem realmente as grandes potências econômicas dentro de 50 anos, como prevê o estudo da Goldman Sachs, as maiores economias medidas pelo PIB não serão as mais ricas em termos de renda per capita, como acontece hoje. Pelas projeções, os cidadãos dos Brics continuarão sendo mais pobres na média que os cidadãos dos países do G-6 de hoje, com exceção da Rússia. A renda per capita da China, por exemplo, será no máximo, em 2050, o que os países desenvolvidos têm hoje (média de US$ 30 mil per capita). Nos Estados Unidos, na mesma ocasião, será de US$ 80 mil. Em 30 anos, a renda do chinês será igual à do coreano hoje. O Brasil chegaria em 2050 com uma renda per capita de US$ 26.500, próxima do que já têm hoje França e Alemanha (cerca de US$ 23 mil), menos do que o Japão e os Estados Unidos hoje (cerca de US$ 33 mil). Em 2030 o Brasil terá, segundo o estudo, uma renda per capita de US$ 9.800, igual à da China, que, no entanto, a partir daí nos superará. No Fórum de Davos, foram traçados também cenários para o futuro da Rússia e da China, avaliando-se as diversas alternativas que podem surgir nos próximos 20 anos. Para a Rússia, a perspectiva considerada “moderada e pragmática” prevê uma ação forte da classe média ascendente por reformas que levem a um regime de mercado aberto, enquanto, por parte do governo, as normas legais continuam indefinidas e a economia continua altamente dependente do petróleo. Nesse cenário, com a corrupção sob controle e os militares reorganizados, a economia poderia partir para desenvolver outros caminhos que não apenas o petróleo. Um cenário pior, sintomaticamente chamado de “Maldição do petróleo”, mostra uma Rússia crescentemente dependente dos recursos naturais, pressionada pela alta da inflação e pela burocracia. Como conseqüência, uma nova onda de privatizações criaria uma nova geração de oligarcas e, ao mesmo tempo, a burocracia adotaria o protecionismo para algumas indústrias mais fracas, e setores do Estado. No final deste cenário, que inclui o aumento da pressão do terrorismo islâmico, a Rússia estaria isolada com seus próprios problemas. A melhor aposta chama-se “Renascença”, que prevê uma Rússia “responsável, estável e próspera”. Nesse cenário, um primeiro-ministro reformista assumiria o governo em dois anos e implementaria um conjunto de reformas estruturais, inclusive um sistema democrático mais equilibrado entre os poderes. Por volta de 2025, a economia estaria diversificada e a sociedade civil firmemente plantada com raízes robustas. A Rússia se tornaria o motor da expansão econômica da Eurásia e da Ásia Central, com condições de se contrapor à China e aos Estados Unidos como um novo superpoder. Não houve, porém, quem apostasse com muito entusiasmo nesse cenário mais otimista. Também a Índia aproveitou o Fórum de Davos para mostrar suas cartas com relação ao futuro, e anunciou uma revisão completa dos incentivos para investimentos diretos do exterior. Pela primeira vez em 15 anos o governo indiano simplificou e racionalizou os procedimentos para quem quer investir no país, liberalizando setores já regulamentados como tecidos, televisores, diamantes, minas de carvão, aeroportos, comércio exterior, e abrindo novos campos aos estrangeiros, como energia, processamento e armazenamento de café e borracha. O novo programa anunciado em Davos tem como objetivos estimular investimentos, sobretudo os diretos de estrangeiros, e transformar a Índia em um centro importante de manufaturados. Nos cenários para o futuro, ficou claro que o principal objetivo da Índia nos próximos anos tem que ser engajar toda a sociedade para reduzir a desigualdade social, enquanto prossegue a busca do desenvolvimento econômico. Em todos os cenários, há lugar para destaques nos setores farmacêutico e de tecnologia, enquanto os problemas com os vizinhos e a divisão em castas dificultam a execução do objetivo de tornar mais igualitário o país. Mas o melhor cenário, denominado “Índia em primeiro lugar”, requer uma união de vontades, não apenas na elite do país, alertaram os especialistas. O crescimento da classe média levaria a novos e fortes fundamentos da economia, com base no mercado interno. A posição da Índia no mundo melhoraria com a redução da pobreza, atraindo mais investimentos estrangeiros e comércio. |
MERVAL PEREIRA (B)RICS