A América do Sul vive perigos institucionais.
Por isso é valioso que a ex-senadora Ingrid Betancourt, ao ser libertada, tenha defendido a pacificação e o respeito às instituições. Na Venezuela, o Exército deixou de ser do Estado para ser chavista; a Bolívia se fragmenta; na Colômbia, o Congresso se desmoralizou pela ligação com a milícia; a Argentina está em conflito.
As instituições democráticas estão se desviando de suas funções, e a democracia está se enchendo de defeitos: o autoritarismo, o personalismo e o continuísmo.
Esses defeitos aparecem tanto nos que se declararam de “esquerda”, como Hugo Chávez, Evo Morales, Rafael Correa e os Kirchners, quanto no que é visto como de “direita”, como Alvaro Uribe.
No tempo em que os bichos falavam, esses conceitos “esquerdadireita” faziam sentido.
Hoje existe democracia; e os riscos que a rondam por ambos os flancos.
Na Venezuela, o Exército foi forçado a ser chavista, em vez de nacional. Com depurações e promoções, fundiu-se o chefe eventual do Executivo às Forças Armadas.
Chávez criou uma outra anomalia: as milícias bolivarianas. O Congresso não tem oposição e vota à sombra do Executivo. Essa hipertrofia do chefe do Executivo ameaça a independência dos poderes e a alternância do poder.
No outro lado do espectro político, está Uribe, o grande vencedor da última semana.
O feito foi grandioso.
A proposta da ação militar era desaconselhada pelo presidente da França, pela família de Ingrid e pelos países vizinhos. Ele fez como achava que devia, resgatou a prisioneira célebre, deixando vivos até os inimigos; espalhando essa boa sensação de alívio e alegria.
Mas Alvaro Uribe também ameaça alguns pilares da democracia.
Ele parece a um passo da coroa e do cetro.
Quer se perpetuar no poder, enquanto sua base no Congresso perde credibilidade pelas marcas do apoio financeiro dos paramilitares, a milícia narcotraficante. O Legislativo virou um poder desmoralizado, com 60 deputados sob suspeita, 30 deles presos. O tráfico de drogas está ampliando suas áreas de plantio.
A Bolívia de Evo Morales se parte e reparte. A Constituição foi votada num quartel, sem a oposição; a oposição promove referendos inconstitucionais. As duas partes do país vão se afastando e se estranhando.
Não são bons os presságios.
A Argentina — versão branda do neopopulismo — revive a inflação e o conflito com produtores. O Paraguai, de Fernando Lugo, vende ilusões aos paraguaios, contando com os ganhos de uma chantagem sobre o Brasil.
O episódio do conflito entre a Colômbia e o Equador, na época da morte de Raúl Reyes, trouxe revelações. A Colômbia foi condenada por ter invadido o território do Equador. Contudo o computador de Reyes, periciado pela Interpol, mostrou que havia uma cumplicidade entre Hugo Chávez, Rafael Correa e os terroristas das Farc. Chávez deu dinheiro e apoio, e Correa fez vistas grossas para a presença deles em seu território.
Correa nega; Chávez nem se dá a esse trabalho.
Hoje critica os terroristas por ressentimento: não teve deles o trunfo com o qual sonhou. Gostaria de ter sido o libertador de Ingrid.
Nos episódios de conflitos e riscos institucionais em nossos vizinhos, a diplomacia brasileira do governo Lula tem sido ambígua e omissa. Nunca fez uma pressão relevante para a libertação dos reféns; a não ser declarações tardias.
No conflito de fronteira, ficou contra a Colômbia, mas não condenou a indecorosa colaboração com os terroristas.
Para o Brasil, as Farc não são um grupo terrorista.
Tanto Nicolas Sarkozy quanto Ingrid agradeceram a vários governos da região.
O Brasil não foi citado.
O problema é que, ao não assumir o peso de sua liderança geopolítica na região, o Brasil abre espaço para a presença dos Estados Unidos. Um dos vitoriosos da semana é exatamente o pensamento intervencionista americano. Uribe tem que conviver com vizinhos que usam suas fronteiras para proteger grupos armados narcoterroristas, por isso seu aliado óbvio são os Estados Unidos.
Se a presença americana é tão incômoda, como mostra a reação desta última semana à quarta frota nas águas territoriais da região, é melhor que a região coesa se una contra o que nos ameaça de forma permanente, como o tráfico de drogas e grupos antidemocráticos.
Só que a ambigüidade de Uribe em relação à milícia paramilitar e a busca do continuísmo podem tirar dele a autoridade moral.
As primeiras declarações de Ingrid Betancourt foram bem-vindas nesta América onde velhos perigos estão à espreita. Do rádio, na primeira mensagem, mandou à sua Colômbia, há 44 anos em guerra, a frase: “A paz é possível.” Depois lembrou que o Exército é a força nacional na qual se deve confiar. Agradeceu a Hugo Chávez e Rafael Correa por esforços feitos para libertála, mas pediu que se unissem a Alvaro Uribe na luta contra as Farc, lembrando que Uribe — e não as Farc — foi eleito para governar a Colômbia. Ela simboliza também outro valor civilizatório.
Por ser radicalmente binacional — genuinamente colombiana e naturalmente francesa —, no tempo da intolerância, Ingrid também simboliza o sonho de um mundo sem as barreiras que se erguem, cada vez mais altas, contra os estrangeiros na Europa.
Ingrid viveu numa parte da Colômbia onde o Estado Nacional entrou em colapso; em que as autoridades são outras, o exército é outro, as leis, os processos, são outros. Nós temos aqui na nossa cidade do Rio fragmentos de território prisioneiros da tirania estranha ao Estado Nacional. Ao voltar de 6 anos nesse extremo, ela trouxe a boa e lúcida mensagem de pacificação e respeito às instituições.
Entrevista:O Estado inteligente
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