Entrevista:O Estado inteligente

domingo, julho 06, 2008

Augusto Nunes-SETE DIAS

A leviandade do capataz

Augusto Nunes

"A Amazônia é composta por 21 milhões de pessoas", começou a performance de Nelson Jobim numa sala do Congresso. A expressão confiante anunciava a volta do aluno nota 10 em geografia, que vivia surpreendendo as professoras do curso primário com a declamação da lista completa dos afluentes do maior rio do mundo. A platéia não vira nada, preveniu a voz engrossada pela soberba autoconfiança de quem só precisou de uma visita de 10 dias à região para promover-se primeiro a Generalíssimo da Selva e, em seguida, a doutor em assuntos da mata, pronto para desmontar todos os mistérios e dúvidas que há séculos afligem pesquisadores.

"Não podemos trabalhar como querem os ambientalistas de fora do Brasil", caprichou o jurista gaúcho, amparado num currículo amazônico cujos itens mais vistosos são duas incursões por aldeias indígenas cenográficas, um duelo com uma sucuri de quartel, três hasteamentos de bandeira e meia hora a bordo de um helicóptero. Foi o suficiente para Jobim descobrir o que pode e o que não pode ser feito por lá. "A Amazônia não pode", exemplificou, "ser tratada como se fosse uma coleção de árvores para lazer de estrangeiros".

O fecho do raciocínio sugere que o mestre gaúcho não só entendeu o que o ministro Mangabeira Unger andou dizendo como achou muito inteligente o que ouviu. "Se considerássemos uma reserva absoluta, teríamos de matar as 21 milhões de pessoas que ali vivem", caprichou, antes de repetir a advertência aos gringos: "A Amazônia é nossa".

Os mapas confirmam que faz parte do Brasil aquele mundão com mais de 5 milhões de quilômetros quadrados. Mas o país a que pertence é leviano e o governo, um capataz inepto, informa o inquietante levantamento do Incra. Entre outros espantos, descobriu-se que o governo nada sabe sobre 14% das terras da Amazônia Legal.

Essa imensidão tem o tamanho dos Estados de São Paulo, Rio Grande do Sul e Paraná, somados, ou de duas Alemanhas. Mas o governo não sabe quantas propriedades existem ali, nem os nomes dos proprietários, muito menos o número de viventes que existem por lá. Não sabe sequer se a floresta ainda existe, ou se o boi chegou e o boitatá sumiu.

Para Jobim, não faz diferença. Milhares de cabeças a mais ou a menos não iriam alterar a imagem poderosa: não se pode exterminar 21 milhões de brasileiros só para que os turistas continuem desfrutando de um colossal jardim botânico. Melhor assassinar alguns milhões de árvores e fincar nas crateras os alicerces do "desenvolvimento sustentável". O país e o mundo precisam de alimentos, já explicou Blairo Maggi, governador de Mato Grosso e general da cavalaria de motosserras.

Além do mais, como registrou na quinta-feira o presidente Lula, é bom lembrar ao planeta que "o Brasil conserva 60% da floresta original". Só entre agosto e abril a selva perdeu mais 4.192 quilômetros quadrados, certo, mas não é pouca coisa o que sobrou. A curva do desmatamento não demorará a cair, promete o ministro Carlos Minc. A floresta, portanto, levará mais tempo para chegar aos 7% que restam da Mata Atlântica.

Jobim conhece a Amazônia tanto quanto os anéis de Saturno, mas até ele sabe que o perigo não mora na população: quase 70% dos habitantes estão nas áreas urbanas. Só finge ignorar o perigo real porque tem muita simpatia pelos inimigos da floresta.

É só não votar nos bandidos

Sim, seria melhor para o Brasil decente se o Judiciário ajudasse a afastar do caminho das urnas políticos que, pelo prontuário, deveriam candidatar-se à presidência do PCC. Mas não custa lembrar que, em países menos primitivos, disso cuidam os próprios eleitores. A fórmula é simples: basta negar aos meliantes os votos de que necessitam para eleger-se e driblar mais facilmente o banco dos réus. Se o paraíso dos pais da pátria anda infestado de figuras que deveriam ser transferidas dos palanques para a cadeia, a culpa é dos brasileiros que os colocaram lá.

O gol de placa de Ruy Castro

"Daqui a alguns dias", avisou o presidente Lula em setembro passado, num encontro com empresários espanhóis em Madri, "vou encontrar meu amigo Bush e dizer: Bush, resolve teu problema, porque não vamos deixar a crise atravessar o Atlântico e chegar ao Brasil". A rota marítima não é a única ligação entre os dois países, talvez tivesse advertido o primeiro-ministro José Luis Zapatero, na cadeira ao lado, se o visitante não comunicasse em seguida que não só a crise americana, mas quaisquer complicações econômicas fabricadas no Exterior morreriam nas praias tropicais caso se atrevessem a viajar rumo ao Brasil.

"Exatamente porque fomos vítimas da crise russa, porque fomos vítimas da crise asiática, o país deixou de ser vulnerável a crises internacionais", informou Lula. "Nós nos preparamos para essas coisas". Quase 10 meses depois, o presidente faz o que pode para mostrar-se confiante. Não perde o sono com o aumento da inflação, jura, nem com a crise dos alimentos. Mas admite que vê com preocupação "a seca e as enchentes ao redor do mundo", além da especulação com os preços do petróleo. Nenhum desses fantasmas fala português. Talvez não tenham entendido a discurseira em Madri.

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