Por vias tortas, o Planalto, afinal, vai se dando conta de quão impensada foi a decisão de implodir o projeto de ajuste fiscal de longo prazo, proposto em 2005 pela equipe que então comandava a política econômica do governo.
Tendo em vista as limitações da equipe econômica atual, o presidente Lula tem-se socorrido de economistas de fora do governo para tentar entender com mais clareza as difíceis opções com que agora se defronta a política econômica. O que se noticia é que, preocupados com a aceleração da inflação, tais economistas têm recomendado imediata elevação da meta de superávit primário para 5% do PIB, para deixar a política monetária menos sobrecarregada na contenção da demanda agregada.
Reagindo a essa recomendação, o ministro da Fazenda vem alegando que tal meta é inexeqüível, a menos que o governo se disponha a cortar investimentos. A alegação merece reflexão. Se tiver fundamento, significa que, não obstante o espetacular desempenho da arrecadação nos últimos anos, o governo se vê agora sem espaço de manobra do lado da política fiscal.
Impossibilitado de recorrer a uma contração fiscal mais determinada, que mitigue os efeitos colaterais adversos que decorrerão de um quadro em que o Banco Central se veja obrigado a travar combate solitário à inflação, o governo tem agora boas razões para lamentar a leveza com que deixou pelo caminho, já no final do primeiro mandato, a proposta de adoção de uma política fiscal mais conseqüente.
Na verdade, a idéia do ajuste fiscal de longo prazo, que tanta controvérsia gerou no governo em 2005, era inspirada na preocupação com a sustentabilidade fiscal, e não na busca de mais espaço de manobra para a política fiscal anticíclica. Mas, se as medidas que foram então preconizadas tivessem sido adotadas, ainda que parcialmente, o governo teria hoje condições muito mais favoráveis para a adoção de uma política macroeconômica menos assimétrica, capaz de proporcionar desinflação a custos políticos mais baixos.
O que os proponentes do ajuste fiscal tinham em mente em 2005 não era um programa de corte drástico de gasto público. Era apenas a adoção de medidas que moderassem o crescimento desenfreado de dispêndio que vinha sendo observado desde meados dos anos 90. A idéia era assegurar que a expansão dos gastos passasse a se dar a uma taxa inferior à taxa de crescimento do PIB. O que exigiria esforço concertado de contenção das várias fontes de rigidez orçamentária que vinham conferindo elevado grau de autonomia à evolução da maior parte dos gastos primários e reduzindo o espaço para dispêndios de caráter discricionário.
É bem sabido que, após intensa disputa dentro do governo, no segundo semestre de 2005, o projeto de ajuste de longo prazo acabou sendo abandonado. Em parte porque a perspectiva de rápido aumento da arrecadação erodiu o apoio dos que viam o ajuste como a única forma de abrir espaço para aumento de gastos discricionários no segundo mandato. O bom desempenho da arrecadação em 2006 enterrou de vez o projeto. E foi visto como sinal verde para a farra de gastos dos últimos anos.
Seria precipitado, contudo, supor que, com o abandono do projeto, o quadro de rigidez orçamentária permanece idêntico ao que era em 2005. Na verdade, o quadro se deteriorou. A luta pela redução da rigidez orçamentária está claramente na defensiva. Tendo desmontado a capacidade de resistência do ministério da Fazenda, o governo vem cedendo, de forma totalmente inconseqüente, a pressões dos Ministérios e do Congresso por mudanças na legislação que implicam aumentos substanciais nos gastos obrigatórios com saúde e educação. Especialmente preocupantes também são os efeitos esperados de mecanismos de superindexação de gastos que continuam intocados. Com a regra vigente - INPC mais crescimento do PIB em 2007 - o salário mínimo poderá ter de ser reajustado em cerca de 14% no início do ano que vem. Tal reajuste, "em raia própria", como vem tentando tranqüilizar o ministro Mantega, deverá ter efeitos devastadores sobre as contas da Previdência e sobre as finanças dos governos subnacionais.
Nesse quadro, não é de espantar que o espaço para política fiscal anticíclica seja muito mais exíguo do que poderia ser, após tantos anos de arrecadação farta.
*Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio
Tendo em vista as limitações da equipe econômica atual, o presidente Lula tem-se socorrido de economistas de fora do governo para tentar entender com mais clareza as difíceis opções com que agora se defronta a política econômica. O que se noticia é que, preocupados com a aceleração da inflação, tais economistas têm recomendado imediata elevação da meta de superávit primário para 5% do PIB, para deixar a política monetária menos sobrecarregada na contenção da demanda agregada.
Reagindo a essa recomendação, o ministro da Fazenda vem alegando que tal meta é inexeqüível, a menos que o governo se disponha a cortar investimentos. A alegação merece reflexão. Se tiver fundamento, significa que, não obstante o espetacular desempenho da arrecadação nos últimos anos, o governo se vê agora sem espaço de manobra do lado da política fiscal.
Impossibilitado de recorrer a uma contração fiscal mais determinada, que mitigue os efeitos colaterais adversos que decorrerão de um quadro em que o Banco Central se veja obrigado a travar combate solitário à inflação, o governo tem agora boas razões para lamentar a leveza com que deixou pelo caminho, já no final do primeiro mandato, a proposta de adoção de uma política fiscal mais conseqüente.
Na verdade, a idéia do ajuste fiscal de longo prazo, que tanta controvérsia gerou no governo em 2005, era inspirada na preocupação com a sustentabilidade fiscal, e não na busca de mais espaço de manobra para a política fiscal anticíclica. Mas, se as medidas que foram então preconizadas tivessem sido adotadas, ainda que parcialmente, o governo teria hoje condições muito mais favoráveis para a adoção de uma política macroeconômica menos assimétrica, capaz de proporcionar desinflação a custos políticos mais baixos.
O que os proponentes do ajuste fiscal tinham em mente em 2005 não era um programa de corte drástico de gasto público. Era apenas a adoção de medidas que moderassem o crescimento desenfreado de dispêndio que vinha sendo observado desde meados dos anos 90. A idéia era assegurar que a expansão dos gastos passasse a se dar a uma taxa inferior à taxa de crescimento do PIB. O que exigiria esforço concertado de contenção das várias fontes de rigidez orçamentária que vinham conferindo elevado grau de autonomia à evolução da maior parte dos gastos primários e reduzindo o espaço para dispêndios de caráter discricionário.
É bem sabido que, após intensa disputa dentro do governo, no segundo semestre de 2005, o projeto de ajuste de longo prazo acabou sendo abandonado. Em parte porque a perspectiva de rápido aumento da arrecadação erodiu o apoio dos que viam o ajuste como a única forma de abrir espaço para aumento de gastos discricionários no segundo mandato. O bom desempenho da arrecadação em 2006 enterrou de vez o projeto. E foi visto como sinal verde para a farra de gastos dos últimos anos.
Seria precipitado, contudo, supor que, com o abandono do projeto, o quadro de rigidez orçamentária permanece idêntico ao que era em 2005. Na verdade, o quadro se deteriorou. A luta pela redução da rigidez orçamentária está claramente na defensiva. Tendo desmontado a capacidade de resistência do ministério da Fazenda, o governo vem cedendo, de forma totalmente inconseqüente, a pressões dos Ministérios e do Congresso por mudanças na legislação que implicam aumentos substanciais nos gastos obrigatórios com saúde e educação. Especialmente preocupantes também são os efeitos esperados de mecanismos de superindexação de gastos que continuam intocados. Com a regra vigente - INPC mais crescimento do PIB em 2007 - o salário mínimo poderá ter de ser reajustado em cerca de 14% no início do ano que vem. Tal reajuste, "em raia própria", como vem tentando tranqüilizar o ministro Mantega, deverá ter efeitos devastadores sobre as contas da Previdência e sobre as finanças dos governos subnacionais.
Nesse quadro, não é de espantar que o espaço para política fiscal anticíclica seja muito mais exíguo do que poderia ser, após tantos anos de arrecadação farta.
*Rogério L. Furquim Werneck, economista, doutor pela Universidade Harvard, é professor titular do Departamento de Economia da PUC-Rio