Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, julho 18, 2008

Miriam Leitão Nós e eles

O GLOBO

Nosso maior vizinho está em apuros: em grave crise política e econômica. O economista Edmar Bacha ouviu de especialistas argentinos que a inflação corretiva pode chegar a 90%. A maior economia do mundo continua em apuros: com grave crise bancária e recessão. O economista Affonso Celso Pastore acha que a crise nos EUA pode durar cinco anos. Enquanto isso, o Brasil parece mais um caso de polícia.

As páginas econômicas e políticas dos jornais brasileiros parecem seções policiais; em parte, pela coincidência de casos como Daniel Dantas, Cacciola e outros; em parte, pela desastrada condução do caso Dantas pelo governo. Mas a economia continua crescendo e, em 12 meses, o país criou 1,8 milhão de empregos formais. Nunca antes.

Na Argentina, também se ouve a mesma expressão. O analista Rosendo Fraga disse que nunca antes no país houve duas manifestações no mesmo dia com multidões igualmente gigantes, de centenas de milhares de pessoas, com posições totalmente opostas, como na terça-feira.

O tamanho da divisão se refletiu num Senado rachado milimetricamente ao meio na noite de quarta-feira para quinta-feira: 36 votos a favor da lei de aumento de impostos do governo Cristina Kirchner e 36 contra. O vicepresidente e senador Julio Cobos, que desempatou contra o governo, passou ontem o dia negando que vá renunciar.

O estilo Kirchner de governar pelo confronto, de sempre se negar a negociar, levou o governo a uma espantosa derrota política. Mas o que agrava a crise é a inflação subindo. Os números estão sendo escamoteados pelo governo; a inflação está sendo reprimida. A correção de todos esses desvios, de preços reprimidos durante cinco anos, pode levar a inflação dos atuais, não declarados, 25% a níveis de 90%.

E a crise americana, quanto tempo vai durar? Affonso Celso Pastore acha que cinco anos; Edmar Bacha tem uma visão mais benigna. Acredita em dois anos.

— É uma crise extremamente longa, e nós vamos assistir a ainda muitos lances nesse processo até que ela seja totalmente absorvida. E há o risco de crise sistêmica — alertou Pastore.

Bacha pensa que a força da economia americana fará com que, lá pelo ano 2010, os Estados Unidos estejam crescendo a 2%, mas isso basicamente com a ajuda do dinheiro público: — Foi muito impressionante o discurso do secretário do Tesouro, Henry Paulson, dizendo que a viúva está à disposição para fazer os empréstimos e capitalização necessários; parecia até nossas crises com bancos estatais.

Entrevistei os dois no “Espaço Aberto”, da Globonews, que foi ao ar ontem e reprisa hoje. Pastore está um pouco mais pessimista que Bacha, mas ambos acham que o contribuinte americano é que vai pagar a conta dos desequilíbrios bancários.

— O Tesouro entra pra evitar realmente a quebra do sistema bancário. A história das crises bancárias mostra várias lições. Uma delas é que, se você deixa isso para ser resolvido com a quebra do sistema, o custo pra sociedade, o custo econômico, de perda de produto, é muito maior — afirmou Pastore.

Ambos acham que os juros não deveriam subir nos Estados Unidos, mas recomendam a alta para o Brasil.

— Aqui está havendo um superaquecimento da economia — diz Bacha.

Com essa elevação da taxa de juros, vai se reduzir o crescimento econômico brasileiro no ano que vem. Pastore acredita em 3% a 3,5% em 2009. Bacha pensa que pode ser de 4%, porque o governo não vai reduzir os gastos, alimentando, com isso, a inflação, que pode chegar a 7% no ano que vem.

— A inflação será 7% já este ano — ressaltou Pastore.

Os dois alertam para os riscos que o Brasil corre, neste momento, por não ter uma política fiscal contracionista.

Pastore chama a atenção para o fato de que o mundo passará por um período de redução do crescimento econômico.

O Brasil está absorvido pelos casos econômico-políticopoliciais, que devem e precisam ser encarados, mas nos quais o país tem perdido tempo e foco nas brigas laterais.

Os casos são mesmo intrincados. Um detalhe só para mostrar o modo labiríntico de Daniel Dantas organizar os negócios: oficialmente nem banqueiro ele é.

Nos registros do Banco Central, nem sequer aparece como dono do Banco Opportunity, nem como dirigente do banco. Seria apenas o dono da marca e, por ela, recebe aluguel. O advogado de Salvatore Cacciola, no desembarque do cliente que há oito anos fugiu do país, disse que ele não é um foragido. Então ficamos assim: Daniel Dantas não é banqueiro e Salvatore Cacciola não é um foragido.

No mundo, o cenário é cada vez mais complicado. Na Argentina, se o canal Kirchner continuar demonstrando a mesma imprudência no ato de governar, o país pode ir para nova crise institucional.

A única saída é a presidente negociar com os vencedores.

Durante o conflito com os produtores rurais, o governo rompeu as negociações quatro vezes. Endureceu o jogo e perdeu. Nos Estados Unidos, cada dia há um novo desdobramento complicado da crise. Este é o pior momento para o governo brasileiro contratar tanto aumento de gastos, como acaba de fazer.

O próximo governo terá de enfrentar, no seu primeiro ano, em 2011, um aumento do custo dos salários dos seus funcionários de nada menos que R$ 35 bilhões com a lei sancionada pelo presidente Lula esta semana.

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